O dia de recorde de vidas perdidas, 17 em 24h, as 113 mortes nos primeiros 15 dias do mês – que correspondem à queda de um Airbus ou às mortes na boate Kiss – e a superlotação do Hospital de Campanha e do Dom João Becker/Santa Casa que levou a um abre-e-fecha da emergência para pacientes com COVID-19 ainda não são suficientes para Gravataí decretar um lockdown de verdade.
Com a vacinação a conta gotas, e sem perspectiva da compra de doses pela Prefeitura antes de seis meses, outras medidas serão tomadas para conscientizar a população e evitar aglomerações.
A decisão foi comunicada no site da Prefeitura após o prefeito Luiz Zaffalon se reunir com entidades empresariais e autoridades.
Reproduzo na íntegra o que foi publicado e, abaixo, sigo.
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Em reunião online organizada pelo prefeito Luiz Zaffalon, na tarde desta terça-feira, 16, líderes empresariais e de classe e autoridades avaliaram que outras medidas restritivas o município pode adotar para conter o avanço da doença. Em Gravataí já são 432 pessoas que morreram vítimas do Covid-19. Em princípio, foi descartada a possibilidade de um lockdown, o que implicaria fechamento de todos os setores. É consenso, no entanto, que deve haver um esforço maior de comunicação no sentido de sensibilizar as pessoas para cuidados preventivos, especialmente evitando as aglomerações.
– Estamos aqui para compartilhar pontos de vista sobre esse momento complicado que vivemos. É complicado decidir tudo sozinho, sobre o que estamos fazendo e para onde estamos indo, e este coletivo pode pensar de forma mais ampla – explicou o prefeito.
Uma das primeiras abordagens feitas por Zaffa foi sobre a vacinação:
– Meus amigos, não tem vacina para vender. Nem é falta de dinheiro. O presidente da Granpal (Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre presidida pelo prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella) esteve no Butantã, em São Paulo. Só a partir de setembro, ele ouviu. Se tiver, vamos comprar. Vacina é sim uma questão que resolve, mas de onde vamos tirar?.
O relato feito pelo diretor técnico do Hospital Dom João Becker, Fernando Issa, evidenciou ainda mais a necessidade de ações para conscientização da população.
– O hospital de campanha, projetado para dez leitos, chegou a ter 60 pacientes. Seria somente para casos não graves, mas teve de atender esses também – disse.
Segundo Issa, que ressaltou e elogiou a forma coordenada de trabalho com a Secretaria de Saúde do Município, o Becker passou a fazer uma “gestão melhor dos acessos”. Isso foi possível porque as UPAs também passaram a acolher doentes, além da rede de atenção básica, que também acolhe casos mais leves.
– Mantendo essa estratégia, vamos conseguir fazer um atendimento mais eficiente, diminuindo um pouco a pressão – observou o diretor.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Régis Fonseca, se não fosse a Santa Casa, Gravataí estaria em condições muito piores.
– Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance. São R$ 4 milhões de investimento a mais por mês destinados à ampliação da estrutura para atendimento Covid – afirmou Régis.
O número de leitos aumentou de 32 para 150.
A presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Gravataí (Acigra), Ana Cristina Pastro Pereira, se mostrou solidária à situação pela qual o município passa e disse que a entidade seria favorável a uma paralisação completa das atividades econômicas e sociais, mas somente durante o fim de semana, retornando na segunda-feira.
– A pandemia está matando, mas a falta de trabalho também. As pessoas não têm o que comer, e os números são assustadores. Entendemos que não é no trabalho que o contágio está acontecendo – afirmou.
O mesmo posicionamento foi compartilhado com o presidente do Sindilojas, José Rosa.
– Capão da Canoas fez um lockdown até em mercados e farmácias, no fim de semana. Na sexta-feira deu uma superlotação. Deu aglomeração. Foi uma experiência que nesse formato não deu certo – comentou.
Ao final do encontro, o prefeito Zaffa estava convencido de que a cidade não entrará em lockdown.
– Esse tipo de ação precisa ser muito bem articulada com as demais prefeituras da região – explicou o prefeito.
A principal ideia para uma ação de comunicação partiu da juíza Valéria Wilhelm, da 1ª Vara Criminal e diretora do Fórum de Gravataí. Ela sugeriu uma estratégia voltada às crianças, como forma de sensibilizar toda a família.
– Minha proposta é uma campanha forte junto à população, ‘Gravataí unida pela vida’, em especial junto às crianças. Não temos solução, mas temos previsão de que esse vírus vai continuar – ponderou a juíza.
Ela mesma apresentou o esboço de uma letra para a composição de um jingle.
Também estiveram presentes à reunião: o vice-prefeito Levi Melo; Samanta Soares, Procuradora Geral do Município; Mari Leia Bastiani, Chefe de Gabinete; coronel Flávio Lopes, Secretário Municipal de Assuntos de Segurança Pública; Luiz Fernando Aquino, secretário Adjunto de Governança e Comunicação Social; Alan Vieira, presidente da Câmara de Vereadores de Gravataí; Janine Rosi, promotora de Justiça da Promotoria de Justiça Cível de Gravataí; major Luis Neves, comandante do 17º BPM de Gravataí; e Deivti Dimitrios, presidente da OAB Gravataí.
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Sigo eu.
O prefeito optou por não seguir a recomendação de lockdown feita pelos técnicos da Vigilância em Saúde (Viemsa), que sugeriu ao comitê de crise o fechamento de todos os estabelecimentos, mantendo abertos apenas supermercados e farmácias, como tratei ontem em Morrer em casa? Fechamento da emergência da Santa Casa em Gravataí pode ir à Justiça; Prefeito protesta e sinaliza lockdown de verdade.
O Conselho Municipal de Saúde também tinha aprovado resolução defendendo o lockdown, assim como o Sindicato dos Professores, em solidariedade aos profissionais de saúde.
– Nos boicotam porque sabem nossa posição. É uma pena o prefeito ter ouvido o setor financeiro e não a ciência. A Viemsa recomendou o lockdown – criticou Marcelo Nascimento, presidente do conselho, em áudio enviado para o Seguinte:.
– Não sei onde colocaram os 17 corpos. Só cabem quatro no morgue do hospital.
O momento não poderia ser mais cruelmente simbólico.
Para além do falecimento de um político, como tratei em Vida perdida pela COVID: A história de Robertinho Andrade, vereador de Gravataí, em 24h Gravataí registrou 17 mortes em decorrência da COVID-19. O recorde anterior tinha sido 14, no dia 4, como reportei em O pior dia de nossas vidas: nunca se morreu tanto em Gravataí; ’Pelo amor de Deus, não temos mais como atender às pessoas infectadas’, apela prefeito.
A reunião ocorreu depois de um fim de semana em que a Prefeitura comunicou o colapso na saúde municipal, como reportei em 12.3.2021, dia do colapso na saúde de Gravataí: 500 por cento de ocupação de UTIs e leitos COVID; Enfiem o negacionismo no r@&#!, e Gravataí ter sido incluída entre as 50 maiores cidades com explosões de mortes, como tratei em Deu na Folha de S. Paulo: Gravataí entre 50 grandes cidades do país com explosão de mortes; ’Não dá para fingir normalidade’.
E, ainda, uma madrugada depois da Santa Casa fechar as emergências para pacientes com o vírus e só reabrir após intervenção do Ministério Público, como contei nos artigos Morrer em casa? Fechamento da emergência da Santa Casa em Gravataí pode ir à Justiça; Prefeito protesta e sinaliza lockdown de verdade e Está suspenso fechamento das emergências COVID em Gravataí; Saiba como buscar atendimento.
Tudo isso frente a um balanço desanimador da vacinação, que chega a contas gotas do Ministério da Saúde, e à informação do Butantan de que só consegue entregar em 6 meses vacinas que venham a ser compradas por prefeituras, como detalhei ontem em 6 meses para ’vacina municipal’: no conta gotas atual, 2 anos para imunizar Gravataí e Cachoeirinha.
Não é terrorismo midiático. É a fatal ‘ideologia dos números’.
Exagero cometeu a presidente da Acigra ao dizer que pessoas estão morrendo por falta de trabalho.
Fraco é o argumento do presidente do Sindilojas de que fechar supermercados nos finais de semana provocaria aglomeração na sexta – o que se resolve facilmente limitando o acesso.
Reputo a argumentação mais sólida a do prefeito, de que seria preciso articular um lockdown regional. Realmente, fechar só Gravataí poderia fazer com que mais pessoas circulassem em Cachoeirinha ou Porto Alegre.
Ao fim, é impopular, é algo que ninguém quer, é uma inegável tragédia econômica, mas como Dr. Stockmann, em Um Inimigo do Povo, de Ibsen, sigo defendendo mais restrições para diminuir a circulação de pessoas e, consequentemente, do vírus, simplesmente porque, junto à vacina, é a única forma de aliviar a pressão nos hospitais e salvar vidas – como tratei usando o exemplo da também colapsada Araraquara em Não seria hora de um lockdown de verdade, de indústria, supers e ônibus em Gravataí e Cachoeirinha?; O exemplo que funcionou.
Infelizmente, seguiremos tratando a doença, investindo R$ 4 milhões a mais por mês em saúde, e vendendo rosas – ou bonecos do Rambo – enquanto a bomba cai em Hiroshima.