Conservadores têm presidência e maioria no grupo que decide sobre o Estatuto do Nascituro. Recomendamos a reportagem de Mariama Correia, publicada pela Agência Pública
Parlamentares fundamentalistas identificados com o bolsonarismo dominam a Comissão de Direitos da Mulher, onde tramita o Estatuto do Nascituro. O projeto (PL 478/2007) pode anular o direito ao aborto legal no Brasil, mesmo em casos já previstos como violência sexual, anencefalia do feto e risco à vida da gestante. A votação, que aconteceria nesta quarta-feira, foi adiada.
O bloco ultraconservador ocupa hoje a presidência da comissão e também tem maioria de votos. A ocupação fundamentalista da Comissão de Direitos da Mulher este ano, na última legislatura do governo Bolsonaro, foi estratégica para avançar pautas conservadoras.
O projeto do Estatuto do Nascituro, uma pauta antiga dessa ala, tem apoio da presidente da comissão, a policial militar bolsonarista Katia Sastre (PL-SP), que se elegeu deputada exibindo, durante a campanha, um vídeo onde mata Elivelton Neves Moreira, 21 anos, em frente a uma escola. Ela teria sacado o revólver depois do jovem anunciar um assalto. Sastre frequenta uma igreja evangélica em Suzano (SP) e disse que “orou pela família de Elievelton”.
– O fato de um projeto de 2007, como é o Estatuto do Nascituro, ter sido pautado já no finalzinho da legislatura, indica uma posição da presidência da comissão a favor da causa. Foi um movimento muito bem articulado – observa a deputada Erika Kokay (PT-DF), que tem vaga de suplente na comissão.
O PL, partido do presidente Bolsonaro, ainda ocupa uma das três cadeiras da vice-presidência, com a deputada Silvia Cristina, de Rondônia. Os outros dois vices são parlamentares conservadores identificados com o bolsonarismo: delegado Antônio Furtado (União-RJ), e a cantora gospel Lauriete (PSC-CE).
Joluzia Batista, integrante do Cfêmea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), explica que a presidente e os vices são responsáveis por coordenar todo o trabalho da comissão. E, com uma presidência mais “resistente às pautas progressistas, deputadas feministas têm dificuldade para fazer avançar debates de direitos das mulheres”.
– A tentativa é dificultar, bloquear as possibilidades para o campo progressista. Querem enfiar o Estatuto do Nascituro goela abaixo – diz Batista.
Na terça-feira, 7, ela lembra que a presidente da comissão impediu a participação de movimentos sociais no debate sobre o Estatuto do Nascituro, que aconteceu a portas fechadas. Grupos feministas protestaram no corredor de acesso à comissão e uma manifestante foi agredida por um bolsonarista que participa de atos golpistas em Brasília (DF).
Dentro da comissão, os embates entre parlamentares da bancada feminista e bolsonaristas também foram truculentos. Depois de um pedido de vistas do projeto por parlamentares, entre eles as deputadas Erika Kokay (PT) e Sâmia Bomfim (Psol), a votação foi adiada para esta quarta-feira, quando acabou novamente adiada por obstrução das bancadas do PT e PSOL.

– Tem um bloco conservador forte, formado por deputados militantes antiaborto como Chris Tonietto (PL), Diego Garcia (Republicanos), Sóstenes Cavalcanti (PL), Bia Kicis (PL) e todos os outros que orbitam em torno do capital que o fundamentalismo religioso aliado ao bolsonarismo conseguiu construir politicamente nos últimos anos. Eles têm maioria de votos, então é muito difícil conseguirmos barrar a aprovação do Estatuto do Nascituro em votação – explica Masra Andrade, da Articulação de Mulheres Brasileiras.
O relator do PL, Emanuel Pinheiro Neto (MDB-MT), também é favorável ao Estatuto do Nascituro.
Desde em 2013, segundo Andrade, quando o deputado bolsonarista e pastor evangélico Marco Feliciano (PL) se tornou presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, os fundamentalistas religiosos avançaram sobre comissões antes ocupadas pelo campo progressista.
– O resultado prático dessa dominação é a ameaça a direitos conquistados. Não apenas inviabiliza o debate no sentido de ampliação de direitos. Pelo contrário, é uma ofensiva antidireitos. Um esvaziamento dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – considera.
Estatuto do Nascituro
O Estatuto do Nascituro garante reconhecimento de direitos ao nascituro, ou seja, ao feto. Na prática, o projeto criminaliza qualquer procedimento que possa causar dano ao embrião, inclusive em casos de gravidez decorrente de estupro. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada nove minutos, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança apresentados neste mês.
O PL também ameaça as pesquisas e procedimentos de fertilização e estudos com células tronco, porque proíbe a fertilização in vitro, um método utilizado por milhares de famílias brasileiras em busca de alternativas para gestar. O texto que está em discussão ainda criminaliza o aborto legal em caso de anencefalia do feto e de risco de vida da gestante.