Da série me cortem os tubos!
Me aguentem ou…
Bem coisa de moleque mesmo!
Eu ainda corria com pés descalços – sentia mais segurança, assim, em relação às quedas, saltos e tropeções – e usava calções. Acho que nem usava cuecas porque era uma ventania só, a que entrava por baixo! Corria pelas ruas de Cachoeira do Sul, sem camisa, a uma velocidade que julgava alucinante.
Eu era magro.
Não, eu não era magro. Eu era magérrimo.
Como diziam os meus amigos da época, eu era “um risco e o fedor!”. Sabe aquelas imagens de pessoas que passam fome lá pelos lados da África, fotos que lhes expõem todos os ossos da face, as costelas, braços virados em pele e osso?
Então…
Certa feita – e para que fizéssemos isso deveria ser verão, escaldante como têm sido estes últimos dias – juntei-me a um grupo de moleques mais ou menos com a mesma idade. Óbvio que minha mãe julgava que eu estivesse no campinho do colégio, tentando aprender a jogar bola.
O que nunca consegui.
A turma era “da pá virada” mesmo. Aprontava muitas e boas.
Neste dia acho que éramos uma meia dúzia de piás e, em consenso, resolvemos amenizar o calor nos banhando em um açude que havia na periferia. Não era muito distante de casa e, correndo, em pouco tempo a gente chegava lá.
Mas tínhamos que ter cuidado pois diziam as más – e boas! – línguas que era proibido tomar banho ali, e que o proprietário do terreno corria a molecada, que se arriscava, com tiros de espingarda. Cartuchos carregados com feijão e sal grosso.
Também havia a turma adversária, gurizada de outro bairro que rivalizava com a gente principalmente no futebol. E qualquer coisa era motivo para uns dois ou três voltar para casa com o nariz sangrando e algumas outras escoriações. Nada grave.
Mas motivo de sobra para a mãe da gente, ou o pai, aplicar aquela surra. Era para aprendermos a não brigar na rua. Aliás, naquele tempo em que não havia tantas leis, vira e mexe e a gente entrava na surra. Hoje em dia…
Pois naquela tarde resolvemos arriscar e nos mandamos “à la cria”. Fomos para o tal açude. Alguns dos guris, para não chegar com o calção molhado em casa, tomavam banho pelados mesmo. Eu não fazia parte desse bloco.
Pois não é que nesse dia a turma adversária teve a mesma ideia?! A gurizada também se foi ao tal açude. Só que do alto de um barranco viram que havíamos chegado antes, que já estávamos nos refestelando naquela água meio lodosa, e resolveram nos pregar uma peça.
Alguns deles foram a um armazém próximo comprar um punhado de rojões. Outros ficaram nos observando do alto do barranco. De volta ao açude, os “disgramados” começaram a jogar os rojões no meio da vegetação, grama alta, o que nos soou como sendo tiros.
Logo imaginamos que era o dono do terreno com sua famosa espingarda e os propagandeados cartuchos carregados com feijão e sal grosso.
Deu guri correndo para todos os lados. Quem estava pelado deixou até os calções na beira do açude e só foi se dar conta que estava sem nada, assim mesmo como veio ao mundo, quando chegou em casa. Outra surra!
Pois não é que descobri a autoria da façanha adversária só há uns 15 dias, cerca de meio século depois do ocorrido? É que tenho um amigo na rede social Facebook, Paulo Ribeiro da Silva, que é lá de Cachoeira do Sul mesmo, que postou um comentário com a tal história.
Me enxerguei dentro do relato dele…
Correndo mato afora e louco de medo de ser atingido por um tiro.
Mandei mensagem para o Paulo dizendo – brincadeira, claro – que na minha próxima ida à terra dos arrozais quero ter um encontro com ele para tirar isso a limpo. Mas que se prepare, porque vou “armado” para a gente tomar umas geladas e contar outras histórias daqueles bons tempos.
Aliás, dessa época tem mais um monte de histórias que, aos poucos, vou contando por aqui. Quem sabe nosso editor (do Seguinte:), o Rafael Martinelli, se empolgue e resolva reunir estas façanhas em um livro.
(E acho que minha mãe, a dona Zienir, nem sabe dessa história…)
Por estas e por outras que eu digo, para o mundo que eu quero descer.
Ah, aproveita e me corta os tubos!