Já fiz minha penitência, reconhecendo que não acreditava em um diálogo – e sim em monólogos – entre governo e sindicato dos professores no que, germinalmente, como tradução para a polêmica sobre extinguir ou não o IPAG Saúde, apelidei de ‘Jogos Vorazes’.
No game over, como brincou a presidente do sindicato Vitalina Gonçalves sobre a construção feita junto a Prefeitura, no ato de promulgação da lei que cria o Instituto de Saúde dos Servidores de Gravataí (ISSEG), ouvi nesta segunda o som que advinha de um sorridente prefeito Marco Alba, com aquele gesto de uma mão espalmada batendo sobre o outro punho cerrado: “Top, top, top”.
– Nessa tu errou quando apostou que não haveria acordo!
Inegável é que prefeito e sindicatos chegaram a um acordo histórico. Do qual eu desconfiava. Não por intuição, mas porque minha memória, com todos os brilhos e opacidades que tem essa capacidade de trair a nós, seres humanos, lembrava Marco em cada metro quadrado que ocupava avaliando ser injusto “300 mil pagarem por 5 mil”, numa referência à Prefeitura, com os impostos, ajudar a sustentar aposentadorias e plano de saúde dos servidores públicos; e Vitalina fazendo das escadarias do palacinho ocre da José Loureiro um palanque, contida por guardas municipais, ao não ser recebida no gabinete do prefeito em meio a uma ‘greve geral’.
Mas Marco e Vitalina foram saudavelmente pragmáticos.
O acordo mantém o plano de saúde do funcionalismo vivo. Atendia 9770 pessoas, entre servidores ativos, inativos, pensionistas e familiares, e hoje, após cinco meses da crise ‘fecha-não-fecha’ tem 8300 credenciados. A expectativa é de uma maior adesão, agora que, para o prefeito e a direção do sindicato, a crise acabou.
Um dos incentivos da nova lei é que aqueles usuários que saíram do IPAG Saúde de março até 31 de agosto poderão aderir ao ISSEG sem precisar se submeter a carências para atendimentos, regra em planos de saúde privados.
O apelo conjunto à imprensa foi para transmitir aos servidores a boa nova da estabilidade do ISSEG. A sustentabilidade do plano, que antes era por percentuais fixos e hoje funciona como nos planos de saúde privados, por faixa de idade e com uma coparticipação que não é de mentirinha, tem por lei a garantia de ser medida e revisada a cada seis meses. Conforme as contas, as mensalidades sobem ou diminuem.
Já reproduzi em O maior acordo político de Gravataí e em Game over; o exemplo da política de Gravataí as tabelas de mensalidades, com a grande sacada do ISSEG, que são redutores para os menores salários – o que é bom para o sindicato, já que servidores de menores salários, a grande maioria, conseguem bancar um plano de saúde; e bom também para o governo, já que não engorda a ‘fila do SUS’.
O plano como já antecipei em artigos anteriores é pagar até 2021 a dívida de R$ 10 milhões que ficou dos últimos dois anos de desequilíbrio do IPAG Saúde. Para isso, a tabela atual de mensalidade está majorada em 10% para sanar o déficit.
Para mais informações, recomendo aos servidores acessarem ao site oficial ou procurar o ISSEG, que funciona no mesmo prédio do agora IPG, nos terceiro e quarto andares, na Adolfo Inácio de Barcelos, 783, Centro. A direção está composta por Janaína Balckey (presidente), Elton Ferreira (administrativo-financeiro) e Carlos Kolhrausch (assistência em saúde). Ou assistir à live feita na página do SPMG no Facebook, clicando aqui.
– Isso é uma prova de que quando se quer achar uma solução, é possível. Simbólico a lei ser número 4110. Porque é um acordo mais que 100, é 110 – comemorou Marco Alba, alertando que “nos primeiros dias podemos ter problemas burocráticos, mas os atendimentos não serão suspensos e sim ampliados”.
– Não é um faz de conta. É uma construção de gente que, com paciência e estudo, tem responsabilidade com Gravataí. Não brincamos com a vida das pessoas – concordou Vitalina Gonçalves.
Ambos e todos – vão achar que é deboche, mas é um reconhecimento meu – se trataram com a institucionalidade, civilidade e, até, afeto, necessários.
– Minha mãe sempre dizia: amar é amar – chegou a filosofar o prefeito.
Foi bonito ver.
– Vieste testemunhar? – foi brincadeira recorrente a mim.
Jornalista não é notícia, mas me incluo no artigo porque procuro estudar o tema. Tanto que cometi uma grosseria hoje, ao ser instigado pelo prefeito e a presidente do sindicato por, na avaliação deles, a cada pergunta, ao lado do colega Eduardo Torres, do CG, buscar alguma intriga. Usei fala do próprio Marco Alba, que disse que esperava 300 pessoas na sala para testemunhar o momento histórico, para fazer a figura de linguagem de que se 30 pessoas em Gravataí tivessem noção das bombas que são o IPAG Previdência e o IPAG Saúde, agora ISSEG, já seria motivo de comemoração!
– Nós temos mais de 30 no sindicato – saltou Vitalina.
– Não é bem assim – disse Airton Leal, vereador que acompanhou a assinatura ao lado de Fábio Ávila, Paulinho da Farmácia e Alan Vieira.
Óbvio que mais gente se interessa pelo tema. Mas, insisto: a maioria dos 281.519 habitantes de Gravataí não tem a mínima ideia de que a alíquota complementar do IPAG para garantir aposentadorias pode fazer com que a Prefeitura tenha que pagar, daqui a 15 anos, quase duas folhas salariais por mês. Da mesma forma com que poucos sabem que a dívida do plano de saúde chega a R$ 10 milhões, e menos ainda se interessam pela nova formatação do ISSEG, mesmo que ajudem a pagar o boleto.
Não foi por intriga que perguntei sobre algum plano de alteração, já neste governo, na Lei Orgânica, que obriga a Prefeitura a garantir assistência em saúde para os servidores. Detalhei a, mais do que probabilidade, certeza, ao analisar parecer do Ministério Público, no artigo A brecha para Prefeitura pagar por plano de saúde dos servidores de Gravataí. Em resumo: o artigo 71 da LOM, que é a ‘constituição municipal’, obriga o governo a participar da garantia de assistência em saúde aos servidores. Para alterá-lo, são necessários 14 em 21 vereadores.
Não é por torcida ou secação, mas, mesmo que a lei que cria o ISSEG preveja que a Prefeitura pare de colaborar em 2026 com R$ 8 milhões a cada ano, corrigidos pelo INPC, se o plano quebrar, o governo seguirá sendo o ‘avalista’ – ao menos, é o que evidencia o parecer do MP, e me parece cristalino ao ler a Lei Orgânica.
Marco e Vitalina argumentaram que, conforme os cálculos atuariais, o ISSEG chegará no ano de 2026 sustentável e sem a necessidade de participação do governo. Mas a presidente do sindicato apertou os olhos e balançou o dedo indicador em minha direção, como em uma palmatória intelectual:
– Mais dois anos para ti no ‘cantinho do castigo’!
Ao fim, o resumo é que governo e sindicato firmaram um acordo histórico, mas que depende de uma boa administração do ISSEG para que em 2026 – ou antes! – a Prefeitura não tenha que socorrer o plano de saúde.
Não que os servidores não mereçam que o governo, o ‘chefe’, colabore com o ‘plano de saúde da firma’. Essa é outra discussão. A ‘intriga’ que propus é que, para o ISSEG dar certo, importante a lei que rege o plano obedecer o “CUMPRA-SE” do pé da última página.
Sim, porque qualquer arrego, justo ou injusto, na avaliação das mensalidades, que conforme a lei acontecerá a cada seis meses, pode transformar o novo ISSEG no velho IPAG Saúde, um Walking Dead 2. Eu não torço por isso, mas também não me incomoda em nada ser o vilão dos fatos. Conforme quem olha, um 9 pode parecer um 6 escrito no chão, e vice-versa. Mas um 9 sempre vai ser um 9 e um 6 sempre vai ser um seis.
A NOVA LEI
Para ler na íntegra o projeto que deu origem à nova lei e entender as tabelas de mensalidades clique aqui.