opinião

Juíza erra ao cassar conselheira tutelar; ’Daiane Livre’

Daiane Ferreira teve cassação confirmada pela juíza

A juíza Vanessa Osanai Kras Borges, da 3ª Vara Civel de Gravataí, manteve a cassação da conselheira tutelar eleita Daiane Ferreira, a sétima mais votada com 889 votos na eleição de outubro, caso que revelei no artigo Conselheira tutelar eleita é cassada em Gravataí; ’Dr. Golpeachment’ é o defensor.

A magistrada não aceitou a apelação feita pela defesa da eleita e manteve para o dia 10 a diplomação da suplente Janaína Feijó. O advogado Cláudio Ávila vai recorrer agora ao Tribunal de Justiça do Estado.

Daiane, que era funcionária pública municipal em estágio probatório respondeu Processo Administrativo Disciplinar (PAD) devido a faltas injustificadas e foi exonerada do cargo de agente de endemias neste ano, o que causou sua cassação com base em regra do edital que proíbe a posse a eleitos demitidos do serviço público.

Siga trechos da decisão, em que a juíza aceita a argumentação da promotora da Infância e Juventude Juliana Nahas Gavião.

Ao fim, comento.

 

“(…)

Inicialmente, verifica-se que o Edital n° 01/2019, o qual trata sobre as eleições para o Conselho Tutelar do presente ano, prevê como um dos requisitos para a elegibilidade de candidato(a) ao cargo de Conselheiro(a) Tutelar, conforme item 9 do inciso II do artigo 2°, não ter sofrido condenação em Processo Administrativo Disciplinar em razão da função do cargo, com penalidade de suspensão do exercício e destituição do cargo – grafa na decisão”.

 

“(…)

Ademais, segundo o artigo 7° do supracitado edital, qualquer cidadão pode pretender a investidura no cargo, desde que preencha os requisitos expostos no edital e que sejam respeitadas as condições legais de elegibilidade e de incompatibilidade.

De acordo com o Edital n° 26/2019, a autora teve sua candidatura homologada, participando das eleições, da qual recebeu 889 votos, figurando no sétimo lugar, consoante referido no Edital n° 40/2019. Contudo, o Edital n° 41/2019, ao divulgar a lista de candidatos, refere a não homologação da candidatura da autora”.

 

“(…)

Observo não há como, em sede de cognição sumária, reconhecer a aptidão da demandante para o cargo público de conselheira tutelar, tendo em vista que, segundo consta na denúncia recebida pelo Ministério Público, a autora teria sido exonerada de cargo público em que estava investida em razão de faltas sucessivas e injustificadas após a instauração de processo administrativo discplinar.

Consoante documentos anexados na inicial, a autora, que ocupava o cargo de agente de endemias da Secretaria Municipal de Saúde de Gravataí, sofreu a instauração de processo administrativo disciplinar, que resultou na sua exoneração conforme portaria n° 4.029/2019, eis que ainda estava em estágio probatório”.

 

“(…)

Assim, considerando que a demissão por falta funcional pode acontecer a qualquer momento, esteja o servidor em estágio probatório ou já com estabilidade no cargo, e que houve a instauração de processo administrativo disciplinar para apuração dos fatos, bem como que o edital para a eleição de Conselheira Tutelar prevê como requisito a ausência de condenação em processo administrativo disciplinar em função do cargo ocupado, entendo por indeferir o pedido de tutela de urgência, sendo necessário maior dilação probatória para análise dos fatos alegados na inicial”.

 

Analiso.

Antes da política, vamos à técnica. No artigo Conselheira tutelar eleita livre de cassação em Gravataí; outra também será, do dia 22, conclui:

– O caso de Daiane chegou à 3ª Vara Civel de Gravataí. A petição, também assinada pelo ‘Dr. Golpeachment’, é arrasadora e denuncia a extrapolação do papel do Ministério Público ao “determinar” a cassação da conselheira eleita. O ‘desembargador Martinelli’, como amigos e inimigos brincam, escolado na ‘Aldeia do Tapetão’, ao ler os questionamentos sobre a denúncia e a decisão de impugnação, não tem dúvidas de que Daiane não perderá o mandato e a juíza Vanessa Osanai Kras Borges deve aceitar o pedido de liminar para que a eleita seja diplomada em 10 de dezembro.

Sem torcida ou secação, sigo com o entendimento de que o caso é reversível no TJ.

Clique aqui para ler a íntegra da defesa, não aceita pela juíza, que acredito fulmina a condenação. Em meio à peça está inclusive parecer da Comissão Eleitoral, negando a cassação no dia 18 de outubro, antes de reconsiderar a decisão a pedido do Ministério Público.

Traduzindo do juridiquês, a defesa observa que o artigo do Edital 1/2019, usado como pilar da cassação, que não permite a posse de eleitos que tenham sido condenados em processos administrativos, se refere apenas a afastamentos do cargo de conselheiro tutelar, e não de qualquer cargo, como no caso de Daiane, agente de endemias.

É o mesmo apontamento do parecer da Comissão Eleitoral, e aqui reside o sustentáculo de minha concordância com a defesa: a mesma Comissão Eleitoral que participou da elaboração das regras da eleição previstas neste edital.

No pedido de reconsideração, o MP observa a “impossibilidade de ser candidato aquele que possuir condenação em PAD no exercício de qualquer função”.

Só que, como alerta a defesa de Daiane, o edital não é explícito quanto ao “qualquer função”.

Diz o artigo: “não ter sofrido condenação em PAD – Processo Administrativo Disciplinar em razão de função do cargo, com penalidade de Suspensão do Exercício e Destituição do Cargo”.

Bem observa a defesa que ao tratar de “penalidade de Suspensão do Exercício e Destituição do Cargo”, e não de “Exoneração”, o Edital 1/2019 se refere a mandato eletivo, no caso de conselheiro tutelar, e não a “qualquer função”, como sustenta o MP.

Aponta ainda o advogado que a Comissão Eleitoral, ao justificar a alteração de posição, que concordava com o que relatei acima, diz que o fez “conforme determina o MP”.

– Quanto ao despacho da Promotora da Infância e da Juventude que decide conforme Processo nº 01.597.000.175/2019 – não há homologação da candidatura, conforme determina o MP da Sr.ª Daiane Ferreira.

Esse “decide” é contestado pela defesa, já que o pedido de reconsideração feito pela promotora foi atendido como uma decisão e não um parecer opinativo, que é a função do MP nesta eleição.

Lendo os argumentos da defesa se observa que o MP ‘encampou’ a denúncia contra Daiane, já que o recurso feito pela suplente aconteceu dia 18, dois depois do prazo previsto no edital.

O trecho a seguir, que se baseia no artigo 179 do Código de Processos Civis, me parece claro quanto ao extrapolar da função fiscalizadora pelo MP no caso Daiane:

– O Ministério Público pode requerer, opinar, emitir parecer, recomendar, zelar pelo cumprimento da lei (…) entretanto, no caso concreto, ao atuar no pleito eleitoral para composição do Conselho Tutelar de Gravataí o fez na posição de mandatário do requerimento do exercício da punição à Autora.

Isso me parece tão grave quanto Daiane não ter tido direito a defesa antes de ter sido excluída do sorteio da divisão de eleitos entre os conselhos Leste e Oeste.

É justo caso a juíza, a promotora, advogados e afins quiserem questionar minhas críticas à cassação, por eu não ser um operador do direito. Mas tenho por mania ler e estudar para, por gosto e obrigação profissional, fazer uma boa leitura das informações e, no jornalismo editorial que exerço, opinar para além do achismo.

Assim o faço com base nestas informações públicas que são o Edital 1/2019, os pareceres contraditórios da Comissão Eleitoral, a peça de defesa e a decisão da juíza.

Analisando do ponto de vista político, acho incoerente a suplente Janaína Feijó ter recorrido não no prazo da homologação, mas após perder a eleição nas urnas. Ela, que reputo uma das conselheiras tutelares mais qualificadas do mandato que encerra este ano, como tratei no artigo Quem ganhou na eleição para o Conselho Tutelar de Gravataí, é ligada ao PT da aldeia, arrasado pelo golpeachment de 2011 contra Rita Sanco, apeada do cargo por questionáveis filigranas burocráticas que rasgaram 68 mil votos.

Ao fim, parece-me cristalina a leitura de que o edital está sendo interpretado errado pelo MP e o Judiciário de Gravataí, em desfavor de Daiane e seus humildes 889 votos. Com o aplauso do PT que, neste caso, tem uma companheira beneficiada.

Decidirão TJ, STJ ou TSF por um ‘Daiane Livre’?

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade