Em 11 dias completa um ano do afastamento de Miki Breier da Prefeitura de Cachoeirinha, sob a suspeita de corrupção em contratos de limpeza urbana, apontada pelo Ministério Público nas operações Proximidade e Ousadia. Sem nenhuma denúncia formal, resta o prefeito reeleito em 2020 um cidadão inocente. Os dias comprovam a analogia que faço, e apanho sempre no Grande Tribunal das Redes Sociais, de que o professor é um Josef K., personagem de O Processo, de Kafka, que levado para a execução, ao ser perguntado se era culpado ou inocente, respondeu:
– Inocente de quê?
Miki escolheu dar sua primeira entrevista hoje, para a RBS, como sempre preferem os políticos, mesmo que ele próprio tenha reconhecido ser um cadáver político.
– Dia 30 de setembro de 2021 decretaram minha morte política – disse, citando Belchior ao falar que ainda luta para voltar ao cargo, tanto no caso criminal, na 4ª Câmara do Tribunal de Justiça, como no eleitoral, onde recorre ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para reverter a cassação pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) por abuso de poder econômico e político por supostamente ter pago vantagens indevidas em período vetado durante a campanha pela reeleição em 2020.
– Como diz a música: ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro.
Fato é que, dois afastamentos de 180 dias depois, provas inquestionáveis não foram apresentadas pelo Ministério Público, que quando o processo corria em sigilo pediu até a prisão do político.
– A investigação que me afastou não apresentou nenhuma prova de ilícito de minha parte ou de meu governo. Sou inocente de todas as imputações formalizadas pelo MP, como peculato, chefe de organização criminosa. Nada foi provado – sustenta, lamentando a última negativa de recurso à Brasília, com base em que poderia continuar a prática dos crimes investigados.
– Como poderia seguir praticando crimes, se os tais crimes a mim imputados não foram provados antecipadamente? – questiona.
– Nunca apareceram as sacolas de dinheiro, como a gente já viu Brasil afora – acrescenta, referindo-se às supostas provas inquestionáveis que, conforme ele, “induziram a mídia ao erro”.
– O procurador-geral de Justiça (Marcelo Lemos Dornelles) chegou a ironizar que estava surpreso por meu envolvimento, que eu tinha uma figura de padre, que tinha sido deputado por três vezes, era prefeito. Se estava tudo tão claro e evidente, por que, um ano depois, nem denúncia foi formalizada? – cobra, argumentando que em busca e apreensão em sua casa foram localizados apenas R$ 8 mil, provenientes da venda de móveis e eletrodomésticos “colocados pela esposa na OLX após a mudança”, além de recursos da academia que tinha a então primeira-dama Vanessa Morais.
– Nada fora da legalidade, tudo declarado no Imposto de Renda. Onde estão as malas, sacolas de dinheiro? – insiste, acrescentando que não foram devolvidos computadores e celulares apreendidos há um ano.
Miki admite ter tido conversas com empresários, mas não para fraudar contratações emergenciais e licitações. E lembra que o contrato de limpeza urbana feito após seu afastamento custou mais caro para a Prefeitura.
– Em 30 anos de vida pública como vereador, secretário municipal e estadual, deputado, nunca cometi nenhum ilícito. Não o faria ao ser prefeito da cidade onde nasci e amo.
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Miki disse estar “à espera de um milagre” de que o TSE julgue também o recurso à cassação eleitoral, com pedido de efeito suspensivo, que poderia permitir a volta ao cargo de prefeito antes da realização da eleição suplementar marcada para 30 de outubro e que tem calendário eleitoral já publicado pelo TSE e candidaturas homologadas em convenções partidárias.
– Não foi julgado ainda. Neste caso, a justiça falha porque tarda. Um município com mais 130 mil habitantes não poderia ser submetido a essa incerteza jurídica. Não há condenação transitada em julgado. É uma insanidade – diz o professor, lotado em uma escola municipal e outra estadual de Gravataí, que, também kafkianamente, tem seus salários ainda bloqueados.
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Ao fim – e Miki lembrou do episódio ao ser questionado sobre os supostos R$ 3 milhões em desvios apontados pelo MP – há na vida real um trágico ‘caso Josef K.’, que deveria balizar ações judiciais, midiáticas e até julgamentos pessoais, os ‘cancelamentos’ que fazemos no dia a dia.
É o do reitor Luiz Carlos Cancellier, acusado injustamente de desviar R$ 80 milhões da Universidade Federal de Santa Catarina.
Para quem não lembra, um ano depois da “convicção” de PowerPoint de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro sobre a culpa do ex-presidente Lula na investigação sobre o triplex, a delegada da Polícia Federal, Erika Marena, uma das integrantes da Lava Jato, comandou em Florianópolis a Operação Ouvidos Moucos, que prendeu o reitor em uma penitenciária de segurança máxima, com todo o combo de revista íntima, 2h nu na frente de outros presos, mãos e pés algemados e um calvário de 30 horas até conseguir um habeas corpus.
Pasmem, ou vomitem: os 80 milhões da acusação correspondiam ao total dos repasses ocorridos entre os anos de 2008 e 2016 para o programa de ensino a distância, alvo do inquérito. Seria como desviar todo o recurso disponível. Cancellier ocupava a reitoria há apenas 16 meses.
– Ele deixou a prisão preocupado com a família e o filho. Tentou nos tranquilizar, mas, claro, estava muito abatido. Ele não tinha carro, então andávamos de táxi pela cidade. Mas percebi que ficava muito constrangido, com medo de ser reconhecido – contou à revista Carta Capital Acioli Cancellier, que acompanhou o irmão nos últimos anos de vida.
Libertado, saltou do sétimo andar de um shopping localizado na Avenida Beira-Mar, na capital catarinense.
Um ano depois Miki ainda não ter sido denunciado permite a suspeita de que o Ministério Público exagerou, trocou os pés pelas mãos. Ou por promoção.
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Desde o afastamento, Miki tinha falado apenas em vídeo, em julho. Assista na SEGUINTE TV