opinião

Não doe para Campanha do Agasalho, você pode apanhar no Facebook

Bruno Kahle entrega peças para Campanha do Agasalho

O e-Farsas, site de checagem de notícias, já confirmou ser fake news o suposto comunicado da Nasa de que um asteróide denominado 2007 FT3 – que, com um poder equivalente a 2.700.000.000 de toneladas de TNT, acabaria com a vida humana – poderia atingir a Terra em outubro.

Mas o meteoro já atingiu nossa humanidade, pelo menos como substantivo feminino que designa o conjunto de características específicas à natureza humana, ou sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos.

Por que tanta amargura?

As metralhas de teclados no Grande Tribunal das Redes Sociais fizeram-me experimentar desgostos nesta terça. Assim, poucos resistirão na cruzada civilizatória, já que é fato, aquele chato que atrapalha argumento, que ‘desaparecer das redes sociais’ reduz sentimentos depressivos, como o Seguinte: já tratou no artigo O que acontece com seu cérebro se você largar o Facebook?.

Compartilho os episódios, porque o lunático posso ser eu, vá lá. Comente, se quiser; com coraçãozinho ou emoji de vômito, até.

O primeiro caso foram comentários sobre o projeto do vereador Dimas Costa que libera a instalação de comedouros e bebedouros para animais de rua em praças e calçadas de Gravataí.

A grande maioria dos internautas apoiou a iniciativa, que não tem custo nenhum para o poder público, e foi publicada em reportagem do Correio de Gravataí. Mas gente demais criticou! Não só com a cantilena do ‘por que não ajuda uma criança pobre’, o que, como ativista da causa animal ouço há décadas de tantos que não alcançam sequer um copo d´água para a mãe acamada. Humanos alertaram para as fezes dos animais nas praças. A solução, conforme esses cheirosos pensamentos, talvez seja matar os bichinhos de fome. Afinal, não come, não caga, né?

Mas o Dimas é um político, e aos políticos resta hoje a presunção de culpa. É candidato a prefeito de Gravataí em 2020. Assim, mesmo que seja um dos queridinhos das redes sociais da aldeia, ser bajulado, ou apanhar de cidadãos ‘comuns’, milícias digitais, interesseiros ou interessados, é do jogo eleitoral.

Fica pior.

O que mais me chocou foram críticas à doação feita para a Campanha do Agasalho pelo advogado Bruno Kahle: 600 peças, 200 conjuntos de ternos completos, com blazer, camisa e calça.

Li o release no site da Prefeitura e reproduzi no Seguinte: porque achei uma ótima iniciativa, já que o advogado trabalhista pensou em ajudar a melhorar a estima e apresentação de quem procura emprego.

O ódio babou teclados, como previra Humberto Eco.

Afinal, na ótica de comentaristas de Facebook, aos pobres e miseráveis os ‘ternos’ não seriam úteis; Bruno seria uma Maria Antonieta distribuindo brioches à plebe.

Desmonto a primeira maldade.

O advogado não queria aparecer. Foi convencido corretamente pela secretária substituta de Cidadania, Família e Assistência Social. Joice Michels queria mostrar um bom exemplo para aumentar a arrecadação de agasalhos para a campanha. E todas as doações são registradas no site oficial do município.

Uma solidariedade de mais de mil reais, valor que as peças novas foram arrematadas em leilão, mesmo que não salve a humanidade, merece registro, não? Vale ou não vale mais do que um tempo tirado no Face para criticar?

Bruno, sem selfie, em anos anteriores já tinha doado sapatos, distribuídos para a Casa Abrigo, lugar onde parte dos ‘ternos’ será encaminhado agora, para os jovens à procurar de emprego. Pelo menos metade dos conjuntos são tailleurs femininos.

A segunda maldade é a condição financeira, profissional e ideológica de Bruno, que nem deveria estar em questão quando se trata de solidariedade. Mas como reconheço parte dos internautas como ‘petralhas’ ou ‘bolsominions’, começo a identificar que um lado e outro da ferradura acreditam ter o monopólio da virtude.

Sabiam os canhotos que chamaram de filhote da ‘Dona Zelite’ um advogado que, na luta de classes, ‘veio de baixo’, defende sindicatos de trabalhadores assalariados como professores e comerciários, e cuja esposa foi assessora de Dilma Rousseff? Não vi outro escritório em Gravataí além do Kahle e Bitencourt colocar na fachada uma faixa “Não à Reforma Trabalhista”.

Vi críticas também de pessoas, com avatar de Bolsonaro, que fizeram posts pedindo para a Prefeitura abrir o Aldeião para moradores de rua, talvez não sabedoras de que tem sobrado cerca de 50 vagas na Casa do Bem, em Gravataí, e na midiática ação de Inter e Grêmio a maioria dos que foram ao Gigantinho queriam apenas receber os colchões e cobertores.

Populismo, demagogia, azar. É algo feito. Mais uma vez: não seria mais apropriado usar essa energia primitiva para vaiar quem nada ajuda?

Mas isso nem deveria estar em discussão. Ao menos para os que não fazem do diferente um inimigo a ser abatido, mesmo que as metralhas sejam digitais e mirem, até aqui, ‘apenas’ nas reputações.

Fico imaginando quanta gente que poderia participar da Campanha do Agasalho se assustou com tanto fel, com tanta gente se auto-proclamando presidente da solidariedade.

Eu dou os parabéns ao Bruno e a qualquer um que faça o mínimo! Espero que não desista das pessoas, o que sempre é mais confortável, e não se deixe contaminar pelos bites do ódio.

Aos pobres, não só pano de chão e migalhas, minha gente! Eles também merecem também um terno e um cacetinho inteiro, ou não?

Antes de concluir o artigo, reproduzo trechos de comentário feito na postagem do Seguinte: pelo ex-vereador Carlito Nicolait, que me parece traduzir bem a ‘polêmica’:

 

“(…)

temos que lutar por comida, temos que lutar por cobertores, por atendimento digno na saúde, por uma educação que liberte, pelo resgate da dignidade (…) eu mesmo, na minha juventude, já tive que conseguir um tênis emprestado para ir em busca de um emprego. Consegui a vaga e trabalhei o primeiro mês inteiro indo de havaianas e a cada dia inventava para os colegas uma justificativa para estas de chinelo. Talvez se naquela época alguém como o Bruno tivesse me dado um calçado, minha dificuldade teria sido menor. Eu entendo que a oferta destas roupas tem um mesmo significado de um banho quente, um prato de comida, uma orientação para o emprego, uma passagem de ônibus, um livro, um rádio, um fogão, uma cama, ou uma coberta, um sapato. Pois existem vários níveis de necessidades, vários momentos e condições. E que bom poder encontrar pessoas dispostas a ajudar.

(…)

 

Incrível estar escrevendo sobre isso, mas são nossos tempos. De minha parte, sigo no credo de Chaplin, apostando nas lágrimas e sorrisos como antídoto contra o ódio e o terror.

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