A metafísica diz que sim, apesar do esforço de Rita Sanco (PT) em fazer parecer que não. A força das palavras da ex-prefeita em entrevista ao Seguinte: mostra que, para os que pisam sobre as rochas graníticas do Cinturão Dom Feliciano, é difícil, apesar de não mais impossível, políticos canhotos andarem juntos nas eleições de 2020.
É que Anabel Lorenzi, que brinquei ser ‘A Esquerdista do Ano’, e que nos próximos dias se filia ao PDT para ser a candidata de Daniel Bordignon à Prefeitura, cassou a colega de magistério em 2011, dois anos e 11 meses após a petista ter sido eleita com 68 mil votos, a maior votação da história de Gravataí.
Assim, se o PT, Rita e Anabel recitarem Provérbios 8:17 junto ao ‘Grande Eleitor’, a quem importar agradeça – para o bem ou para o mal, eleitoralmente falando – a Jair Bolsonaro.
– Não faço política com revanchismo, mas sou implacável na questão política. Dizer “ah, faz parte do passado!”… não é bem assim comigo – disse nesta manhã a professora aposentada e hoje principal referência do PT na aldeia.
Siga trechos.
Seguinte: – Nos últimos oito anos o PT vetou alianças com políticos e partidos que votaram a favor de teu impeachment e de Cristiano Kingeski. Anabel foi a favor da cassação. Uma aliança é impossível?
Rita Sanco – O PT faz um debate interno observando a conjuntura nacional. Vivemos um período de avanço do fascismo e de políticas neoliberais que reduzem poder do estado na educação, na saúde, ameaçam os direitos individuais. O congelamento por 20 anos nos investimentos sociais, aprovado pelo governo Temer, agora é aprofundado por Bolsonaro nos cortes na educação. Tudo isso combinado com a reforma trabalhista, que precarizou condições de trabalho, e com uma reforma previdenciária que reduzirá a capacidade dos trabalhadores de sobreviver com a aposentadoria, ou mesmo nem se aposentar, cria um ambiente devastador, seja do ponto de vista econômico, como cultural e social. É neste contexto que uma resolução nacional do partido aponta para a construção de uma frente antifascista. Até a eleição veremos quem efetivamente se contrapõe a essas políticas. Não estamos fazendo um debate meramente eleitoral. Estaremos juntos ou não? Não sei. O que se vê é uma movimentação normal para o período. Nossa avaliação é sempre no campo da política, o que não significa que o golpe está esquecido.
Seguinte: – Usares “golpe” para te referir ao impeachment diz muito…
Rita – Sim, e há conseqüências. Dilma foi cassada sem crime, Lula foi preso sem provas e impedido de concorrer, e na eleição das fakenews, com notória interferência internacional, galgou o poder quem jamais estaria lá. Não foi diferente em Gravataí. O MDB, que chegou à Prefeitura pela porta dos fundos, é quem representa hoje o bolsonarismo. O prefeito Marco Alba abriu apoio no segundo turno. Então, é co-responsável pela falta de médicos, com a crise no Mais Médicos, pelos cortes na educação e pela crise social e econômica.
Seguinte: – Não ficou claro se a questão local é, ou não motivo para veto. E nem qual seria a ‘régua da coerência’, já que, por exemplo: Anabel votou a favor do impeachment de Rita e foi contra o impeachment de Dilma; Daniel Bordignon teve como vice em 2016 Cláudio Ávila, advogado autor do pedido que levou à tua cassação; Rosane Bordignon foi a única vereadora a assinar manifesto contra Bolsonaro, o qual assinaste, mas Paulo Silveira, presidente do PSB não assinou… Parece difícil estabelecer uma linha de corte local.
Rita – Bordignon e Rosane têm nosso respeito por suas trajetórias, e o PDT e o PSB estão em nosso campo de alianças. A questão local não é motivo nem para veto, nem para concordância. Não debatemos ainda.
Seguinte: – De professora para professora: para Rita, Anabel é golpista?
Rita – Não há como apagar o golpe. É uma coisa que fica no currículo para o resto da vida. Podemos chegar a outras avaliações, mas é um equívoco que não pode ser apagado. Talvez Anabel tenha tentado se recompor ao se manifestar contra o impeachment de Dilma, também sem nenhum crime. Mas, por que razão seria diferente aqui e lá? Para mim, interesses nacionais não são diferentes dos locais, ou a gente cai em uma contradição política, diz uma coisa aqui, outra lá outra. Aqui golpe não é problema? Acabou com a participação popular, com a cultura, enfim: teve conseqüências aqui e lá.
Seguinte: – Falaste com Anabel depois de 2011?
Rita – Nunca falamos.
Seguinte: – E Bordignon, já fez algum gesto de aproximação com o PT para aliança em 2020?
Rita – Também não conversamos.
Seguinte: – O PT pode ter candidatura própria?
Rita – Pode, mas a prioridade é a construção de uma frente, mesmo que não estejamos na chapa majoritária, além da apresentação de uma boa nominata para voltarmos a ter representação na Câmara.
Seguinte: – Então é possível prever que Rita Sanco, hoje talvez a liderança mais conhecida do PT de Gravataí, será candidata a vereadora?
Rita – Não porque estou inelegível até dezembro de 2020. Oito anos longe das urnas, sem ter cometido nenhum crime, foi mais uma das conseqüências do golpe.
Seguinte: – O prefeito de Cachoeirinha enfrenta um processo de impeachment. À época, Miki Breier era casado com Anabel, que votou pela tua cassação. És favorável ao afastamento dele do poder?
Rita – Não, entendo como golpe. Li a denúncia e o método é muito semelhante ao aplicado aqui, centrado em questões técnicas, minúsculas. Se há problemas, se aponta e corrige, ou se denuncia ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas para que se oriente a sanar as irregularidades. Considero golpe utilizar elementos administrativos apenas para barrar um projeto político do qual se é contra. Tanto em Gravataí, como agora em Cachoeirinha, não há denúncias de corrupção. Com Dilma, aconteceu a mesma coisa. Mas é inevitável a leitura de que o PSB prova do próprio veneno. Os articuladores são os mesmos, apenas mudam de lugar. Virou folclore: você vê figurinhas carimbadas no mesmo processo! Lideranças do PT de Cachoeirinha como o Leonel Matias e o David Almansa tem muitas críticas à gestão do Miki, principalmente à forma como lidou com a greve do funcionalismo. Mas não apóiam impeachment. Mesmo que o voto do PSB, de Anabel, tenha sido decisivo para nossa cassação, não faço política por vingança, com revanchismo. Porém, sou implacável na questão política. Dizer “ah, faz parte do passado!”… comigo não é bem assim.
LEIA TAMBÉM
Passado é passado, olho para frente, diz Anabel; leia que você saberá o futuro dela