Os militares foram subjugados pela liderança de Bolsonaro, em troca da proteção aos desmandos da família, desde o começo do governo em 2019.
Mas há um momento em que o sujeito submete os generais ao seu controle absoluto e mostra ao país que ele é quem manda nos militares.
É quando, no dia 31 de maio de 2020, um domingo, o agora foragido sobrevoa Brasília de helicóptero para saudar os participantes de um ato golpista.
O então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, está ao seu lado (na foto, de óculos escuros). O helicóptero não é a aeronave branca que Bolsonaro costumava usar.
É enorme, cinematográfico, com camuflagem, é uma arma bélica. Bolsonaro e seu ministro da guerra saúdam a turba.
Lá embaixo estavam os aprendizes de terrorista. Agrupavam-se nos fins de semana os que, quase três anos depois, tentariam destruir os prédios dos três poderes.
Aquela é a cena inaugural da subserviência ao comando absoluto de Bolsonaro. É a partir dali que os militares se rendem ao extremismo, mesmo que Azevedo e Silva tenha decidido depois ir embora.
Ali Bolsonaro expôs seu comandante da Defesa a um constrangimento que feria até a memória dos generais da ditadura.
Os chefes militares não estavam totalmente conectados, mas já vencidos pela ideia de que era preciso pensar em golpe, começando pela afronta ao Supremo.
Tudo passa a ser normalizado depois da renúncia coletiva dos chefes das três armas e da aceitação da submissão pelos que os substituíram.
Estavam liberados para o jogo os militares viciados em poder pelas controversas missões de paz no Haiti, como Augusto Heleno.
Os que instalaram depois um governo paralelo com Braga Netto na intervenção desastrada no Rio.
Os que assumiram com Eduardo Pazuello o controle do Ministério da Saúde do negacionismo, da sabotagem à imunização e dos vampiros das vacinas – todos esses generais do Haiti, do Rio e da matança da pandemia de Manaus vieram até o fim do governo com Bolsonaro.
Azevedo e Silva saltou fora antes. Mas é na concessão que ele faz lá em maio de 2020 – ao embarcar em um helicóptero das suas tropas, sob a ordem coercitiva de Bolsonaro –, que fica marcada a submissão.
Se Bolsonaro não tivesse sido derrotado, não teria existido agora a cena em que o sargento Jairo Moreira da Silva pressiona um servidor da Receita, em Guarulhos, para que libere as joias de Michelle.
Com Bolsonaro no poder por mais quatro anos, sob a tutela dos generais, não seria um militar subalterno que tentaria reaver o contrabando.
Seria um general, com ação direta, sem a necessidade de enviar um sargento trapalhão a São Paulo.
Mas deu errado na eleição, e a estrutura criada desde aquela sobrevoada do ministro da Defesa, em 2020, se desfez.
Bolsonaro perdeu e perderam com ele os generais encantados com os votos de Bolsonaro, hipnotizados pelo poder do tenente que os liderava.
Eles sabiam que o chefe era uma aberração que só o Brasil produz, porque parido pela democracia. Mas milhares deles seriam abrigados no governo.
Bolsonaro tinha eleitores e tinha legitimidade. Eles, os generais e os coronéis, desfrutariam de um governo com suporte dos fardados, em troca de emprego, roupa lavada e, em alguns casos, cartão corporativo.
Tudo porque acharam que poderiam avalizar os blefes de golpes, contrabandear joias, omitir-se diante da matança de índios por garimpeiros e acolher terroristas em acampamentos ao lado de quartéis.
Depois dessa sequência, se o Brasil fosse invadido hoje por inimigos da vizinhança ou por marcianos, quem poderia confiar na capacidade de defesa das Forças Armadas?