Associo-me ao artigo de Juan Arias, publicado pelo El País.
O Brasil vive uma situação política peculiar. Um presidente, o ultradireitista capitão reformado Jair Bolsonaro, que se blindou com militares em seu Governo, incluindo vários generais como ministros. A ideia de se rodear do Exército pode ser, porém, um bumerangue contra ele e contra os militares, que podem acabar como na história bíblica de Sansão.
O primeiro alarme acaba de soar. Enquanto Bolsonaro vê sua taxa de apoio popular reduzida a 30% antes dos dois anos de mandato, os militares, que eram junto com a Igreja uma das instituições com maior índice de aprovação na sociedade, começam a descer a ladeira. Segundo a recente pesquisa do Instituto da Democracia, pela primeira vez o mítico apoio popular ao Exército começa a desmoronar, perdendo 7 pontos, enquanto sua permanência no Governo não contribui para a democracia na opinião de 58%.
Começa-se a notar na opinião pública a inquietação de que essa presença maciça dos militares no Governo de Bolsonaro, com suas manias golpistas, possa resultar em um desastre para todos. O apoio à ideia de uma ruptura institucional para permitir um golpe militar em nome do combate à criminalidade passou de 55,3% em 2018 para escassos 25% hoje.
Cabe perguntar aos militares o que os leva a continuar apoiando um Governo que está murchando aos olhos da opinião pública, cada vez mais encurralado internacionalmente. O índice de aprovação a Bolsonaro no Brasil se deteriorou os últimos meses com o desprezo do presidente pela pandemia, a tentativa de ocultar as mortes e sua falta de empatia com as vítimas, que estão prestes a serem as mais numerosas do mundo.
Há quem se pergunte o que esperam os militares para abandonar essa situação de apoio a um Governo contra o qual estão crescendo as manifestações populares, as quais poderiam alcançar a eles mesmos. Como escreveu dias atrás Carla Jiménez, diretora de redação do EL PAÍS Brasil, essa ambiguidade dos militares pode fazê-los serem vistos como “cúmplices” das ações de um presidente que já é tido como um caso psiquiátrico. Será só o acúmulo de salários, como ironizou o genial colunista Elio Gaspari? Ou será o prazer da visibilidade midiática por seus cargos no Governo, que os faz aparecerem, dia sim, dia não, pontificando sobre a política, da qual deveriam ficar de fora?
De qualquer modo, a responsabilidade dos militares perante a sociedade que começa a abandoná-los é grave, já que nada poderia ser mais perigoso para o Brasil, para sua imagem dentro e fora do país, que acabar perdendo sua cota cada vez mais minguada de popularidade.
Seria triste que os militares brasileiros que deram apoio à democracia, o que acabou por redimi-los da noite escura da ditadura, possam perder hoje sua credibilidade por um prato de lentilhas. Tomara não repitam a simbologia da passagem bíblica de Sansão, para citar um exemplo tirado do Livro Sagrado que seu atual chefe, o presidente Bolsonaro, exibe junto à Constituição.
Sansão, segundo aparece no Livro dos Juízes (capítulos 13 a 16) da Bíblia hebraica, foi o último juiz de Israel antes da monarquia. Tinha sido agraciado por Deus com uma força especial. Era capaz de despedaçar um leão com suas mãos. Seus inimigos eram os filisteus. Contra eles Javé tinha dado um poder especial que residia em sua vasta cabeleira de nazareno.
Sansão, entretanto, caiu na fraqueza de se entregar às delícias de uma prostituta que lhe arrancou o segredo da sua força. Assim, enquanto dormia em seus braços, fez que lhe cortassem sua cabeleira, e começou seu declínio. Os inimigos lhe arrancaram os olhos, obrigaram-no a labutar num moinho de grãos. Só que ali o seu cabelo cresceu novamente, e ele recuperou a força. Os filisteus não sabiam, e um dia o convidaram a ir ao templo. Estava, diz a Bíblia, abarrotada com 3.000 filisteus que ocupavam até o teto do templo. Sansão pediu permissão para se apoiar em uma coluna do edifício e com um simples movimento fez desabar o templo, onde morreram ele e os filisteus.
As histórias bíblicas têm muitas leituras. A de Sansão já foi tema de todas as artes, da literatura à pintura, e de todas as interpretações religiosas e laicas. E hoje se tornou atual na complexa história de Bolsonaro e dos militares. Não sabemos de onde vem a força que Bolsonaro revelou nas últimas eleições, quando obteve 57 milhões de votos sem nunca ter sido nada antes, nem como deputado em seus 30 obscuros anos de Congresso e menos como militar, já que foi forçado a abandonar sua carreira por causa dos seus instintos terroristas.
Talvez essa força do “mito”, que como Sansão hoje ameaça derrubar as colunas da democracia, tenha sido conferida pelos milagrosos robôs e fake news usados em sua campanha, ou como desforra pela humilhação de ter ficado em simples capitão reformado, para se tornar comandante-chefe de todas as Forças Armadas do país. É algo de que hoje ele se gaba. Não se deram conta os militares de que o acolheram e estão se tornando seus cúmplices no governo?
Cuidado, porque o novo Sansão pode acabar em sua loucura preferindo que todos morram com ele, derrubando as colunas do templo da Constituição. Perderíamos todos: ele, os militares, a sociedade e o mundo, porque o Brasil acabaria reduzido a mais uma república de bananas após ter sido o coração econômico do continente e a inveja do mundo quando o país desfrutava tranquilo de sua reconquistada democracia e era visto como o país do futuro.
Como acaba de afirmar Fernando Gabeira, que conhece como poucos, palmo a palmo, os territórios mais recônditos do Brasil e não pode ser acusado de conivência com o poder, “nem todos sabem como este país é grande, diverso, solidário e magnífico em sua beleza”. E alerta: “Impedir que ele se dissolva é a grande tarefa de construir uma civilização tropical onde só querem pastos, fuzis, carros e eletrodomésticos”.
Cuidado, senhores militares! O Brasil é maior, mais importante e interessante no mapa mundial que as mesquinhas manobras de poder. E vocês são os garantes de defender este grande patrimônio para que não seja jogado na roleta da morte.