A greve em Cachoeirinha entra no 37º dia e, ao que parece, a esperança que resta ao governo é de que o bolso pese com o desconto do corte do ponto, pouco sentido na folha salarial deste mês, mas que virá gordo no próximo contracheque dos grevistas.
Sem fake news e pós-verdade: a negociação virou um teatro. Diálogo é sinônimo de monólogo. Nenhum lado cede um milímetro. A reunião de hoje pela manhã, entre prefeito, secretários e o comando de greve foi para cachoeirinhense ver.
Pelo que o Seguinte: apurou, a comissão de negociação da Prefeitura saiu falando em ‘nova proposta’ recusada pelos servidores, que por sua vez correram para o microfone reclamar da apresentação da ‘mesma proposta’ já rejeitada no dia 10 de março.
Convergência só na unanimidade do centro do governo de que se chegou ao limite, e dos grevistas de que não haverá recuo se o pacotaço não for revogado.
Guilherme Runge, presidente do sindicato dos municipários e principal líder da greve, deixou a sala onde Miki Breier ficou ao lado do vice, Maurício Medeiros, de seu número 1, Juliano Paz, e do secretário da Fazenda Alex Branco, avisando que próximas reuniões só acontecerão com a mediação do Ministério Público (MP) e da Delegacia Regional do Trabalho (DRT).
Para além dos discursos para jornal e o bate-post de facebook, a antipatia revela-se mútua. O governo primeiro pediu, mais ou menos, um voto de confiança no histórico do prefeito, prometendo “diálogo” para rever perdas com o pacotaço assim que o comprometimento da receita com a folha cair dos cerca de 60% em fevereiro para os 51,3% que permitiriam, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, conceder reajustes salariais, vantagens e chamamento de concursados.
Com a negativa dos grevistas, o secretário da Fazenda lançou um desafio para que fossem apontadas fontes de redução de custos para fazer a folha caber na receita – que mesmo com redução de R$ 10 milhões advinda dos cortes ainda balançará, mais prá lá do que prá cá, no limite prudencial dos 51%.
A resposta dos sindicalistas, também irritados por verem no Diário Oficial de 30 de março a nomeação de mais um CC coordenador, foi cobrar um corte mais profundo nos cargos de assessoria, “de 20%, conforme determina a Lei Fiscal” para situações de calamidade nas contas como em Cachoeirinha. No mesmo documento, o Simca pede ações na cobrança da dívida ativa, o que o governo já tinha anunciado fazer, sonhando avançar em R$ 200 milhões devidos em IPTU e outros impostos municipais – infelizmente, na vida real da numerolândia, dívidas onde a média de êxito dos municípios gaúchos na cobrança não passa dos 50%.
Como crise econômica com crise política se alimenta, vide Dilma, no IPTU pode estar uma medida de médio prazo para o governo reforçar o caixa.
Uma solução de arrepiar político.
A Prefeitura de Cachoeirinha tem na gaveta, se já não está defasado, o georreferenciamento com o mapa aéreo de todos os imóveis e construções da cidade. Isso atualiza e pode até dobrar a área construída tributável, o que desembocaria em mais receita com IPTU no ano que vem. Se não no caixa, nos carnês dos contribuintes que aumentaram suas propriedades e não comunicaram a Prefeitura.
O porquê do georreferenciamento não ter saído dos bytes de computador para os carnês, só a política explica.
Seria uma saída, apostar nas receitas municipais, num momento em que o retorno de ICMS despenca depois de Cachoeirinha ficar órfã da Souza Cruz.
Mas estaria Miki disposto a enfrentar mais um megadesgaste político ao, em tempos de recessão, mexer no bolso principalmente do pobre que fez um puxadinho ou da família de classe média que cobriu a garagem ou fez um quarto para os filhos nos fundos?
A cobrança seria justa, mas…
Num exercício de futurologia, os indícios são de que não. Ao sinalizar com a retomada de vantagens “assim que der”, o prefeito não demonstra paixão pelas medidas de enxugamento da folha. Talvez pela bagagem ideológica à esquerda, Miki não consegue defender o enxugamento da folha como uma medida estruturante. Ao ouvi-lo, sempre parece que só apresentou o pacotaço porque as contas explodiram e não tinha alternativas para não sair preso da Prefeitura por descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Antecipa-se aí outro debate. Quando, e se houver a opção do governo por aumentar a receita própria em impostos e os carnês começarem a chegar com o – justo – IPTU mais caro para quem ampliou sua área construída, esse contribuinte aceitará mais um sacrifício, em tempos de crise, para ressuscitar vantagens do funcionalismo?
Esperemos para ouvir quem grita mais alto.
Profecias à parte, a realidade é que a ponte entre governo e funcionalismo hoje está trancada.