opinião

Sobre o tiro no Lula; a censura togada

Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018

Que tempos Netflix! A cada dia uma virada dramática inimaginável até para uma maratona de séries. Quem diria que um general, Hamilton “O AI-5 nem foi tão usado assim” Mourão, condenaria a censura antes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)?

– Não tenho dúvida de que é censura, mas vai além da censura – disse o vice-presidente da República ao comentar a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de determinar ao site 'O Antagonista' e à revista 'Crusoé' a retirada do ar, de forma imediata, da reportagem de capa da última edição, intitulada 'O amigo do amigo de meu pai'.

– No momento em que (a decisão), além de interditar a publicação, convoca os jornalistas a depor na Polícia Federal. (Significa que) Já estão respondendo a inquérito – acrescentou, bem colocando que, ao se sentir atingido, o ministro deveria acionar o Ministério Público.

– O camarada está sendo tudo: é julgador e investigador!

A reportagem trata de um suposto codinome dado ao presidente do STF, Dias Toffoli, na lista do ‘departamento de propinas’ da Odebrecht. Segundo a Crusoé, o ministro seria o “amigo do amigo do meu pai”.

O codinome “Amigo do meu pai” já tinha sido revelado anteriormente pela Lava Jato e seria o ex-presidente da República Lula da Silva (PT), atualmente preso em Curitiba, condenado pela Lava Jato pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. “Meu pai” identificaria Emílio Odebrecht, pai de Marcelo.

Solidário à imprensa livre como pilar da democracia, liguei para o presidente da subseção Gravataí da OAB, Deivti Dimitrios, que não tem uma posição institucional, mas também usa a palavra “censura”.

– É princípio de direito o judiciário só agir se provocado. Quem provocou censura de tal envergadura? Sabe-se que não foi o Ministério Público – questiona.

Para o presidente, é censura por não se tratar de fake news, já que a informação revelada na reportagem estava nos autos do processo.

– Agora é preciso cuidado em dizer que o documento ‘sumiu’ dos autos do processo. O juiz responsável pode tê-lo tornado sigiloso. Mas o que não dá para entender é o porquê de tanta blindagem, já que a reportagem não trata de corrupção e não seria nada anormal Dias Toffoli, à época advogado-geral da União, ter relação com o presidente Lula.

Deivti diz aguardar uma manifestação da OAB nacional, que considera necessária.

– A OAB tem uma história recente de omissão, mas o atual presidente Felipe Santa Cruz é mais atento a participação da OAB na defesa da democracia – diz o advogado, crítico do ex-presidente, o gaúcho Claudio Lamachia.

 

Analiso.

Ao que parece, há poucos olhando para a floresta sem enxergar apenas lenha para queimar. Que houve censura, não há dúvida. Moraes contradiz inclusive decisões anteriores do STF. Onde há difamação na reportagem? O texto, em nenhum momento, sugere ilicitudes, como bem observa o presidente da OAB de Gravataí nas declarações ao Seguinte:. Mesmo que não seja um caso de censura prévia, já criou no imaginário do Grande Tribunal das Redes Sociais a suspeita de que é um “para-por-aí”.

Impreterível ao Ministério Público, como fiscal das leis, investigar o curso dessa decisão, mesmo que a Procuradoria-Geral da República tenha divulgado nota alegando o não recebimento do documento da polêmica. Pelo que se tem notícia até agora, na sexta-feira em que foi publicada a reportagem Toffoli mandou mensagem para Alexandre Moraes pedindo apuração, com o seguinte teor: “Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa. Autorizando transformar em termo está mensagem, a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”.

Aí o ministro do STF fez o que Mourão bem traduziu: agiu como investigador e julgador, usando como pretexto o inquérito, do qual é titular, e que apura a indústria de fake news que opera na esgotosfera para desmoralizara o Supremo.

Mas o incêndio na floresta tem outros focos. Não parece curioso que os esclarecimentos de Marcelo Odebrecht sobre o “amigo do amigo…” tenham aparecido nos autos dia 3, em meio à gritaria das milícias digitais pela ‘CPI da Toga’? E ‘sumido’ dia 12, após a notícia ganhar ares de ‘escândalo’ nas redes sociais?

Seria leviano questionar o comportamento e as decisões institucionais de Toffoli sob o prisma de pode ser vítima de chantagem. Mas não parece tanta teoria da conspiração desconfiar de que seja parte de uma estratégia de pressão, ao envolver os nomes do presidente do Supremo e do ex-presidente da República, em uma troca de e-mails entre integrantes da ‘organização criminosa’ da Odebrecht, mesmo que sem qualquer suspeição de ilicitude, às vésperas do julgamento da ‘Lei Lula’, a ADC que vai decidir sobre a constitucionalidade da prisão em segunda instância.

Aos mortais pensantes, resta observar, pelas telas dos celulares ou assistindo ao Jornal Nacional, o pânico instalado na Suprema Corte que, muitas vezes, deu uma levantadinha na venda de Thêmis, mediu o humor das ruas, e permitiu que fins justificassem os meios na cruzada lavajatista ‘contra a corrupção’.

Um parêntese: censura é sempre condenável e, principalmente, perigosa. Mas também é compreensível que muitos, jornalistas inclusive, deixem escapar uma risadinha com o canto da boca pela censura pegar 'O Antagonista', que com a opinião que se publica já tanto alimentou a opinião pública com o ‘contra tudo que está aí’.

Ao fim, não parece bala perdida. Lula, mais uma vez, é o alvo.

 

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ATUALIZAÇÃO

O Conselho Federal e o Colégio de Presidentes da OAB divulgou nota, após a publicação do artigo. Siga a íntegra.

 

"(…)

A Diretoria do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes de Seccionais vêm através da presente Nota Oficial manifestar-se, como sempre o fez em toda a sua história, de forma contundente em favor da plena defesa dos princípios constitucionais que estão presentes na Carta Constitucional de 1988, dentre eles a liberdade de expressão e de imprensa, princípios irrenunciáveis e invioláveis em nosso estado de direito.

Nenhuma nação pode atingir desenvolvimento civilizatório desejado quando não estão garantidas as liberdades individuais e entre elas a liberdade de imprensa e de opinião, corolário de uma nação que deseja ser democrática e independente.

Nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade, pois a censura prévia de conteúdos jornalísticos e dos meios de comunicação já foi há muito tempo afastada do ordenamento jurídico nacional.

Pensar diverso é violar o princípio tão importante que foi construído depois de tempos de ditadura e se materializou no Art. 220 da Constituição Federal, mesmo havendo sempre a preocupação para que toda a sociedade contenha a onda de “fake news” que tem se proliferado em larga escala.

Neste sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil, legítima defensora das liberdades e da defesa da constituição e da lei, manifesta a preocupação com a decisão proferida pelo STF, através de um dos seus Ministros, que determinou a retirada de conteúdo jornalístico dos sites eletrônicos e a proibição de utilização de redes sociais por parte de investigados, entre outras medidas.

Em qualquer democracia, a liberdade vem atrelada à responsabilidade, não sendo crível afastar de responsabilização aqueles que por qualquer razão ou interesse possam solapar o correto uso da liberdade garantida para fins proibidos na legislação brasileira, mas somente após obedecidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, dentro de um devido processo legal.

Na ADPF 130, o Supremo consignou que a liberdade de imprensa é verdadeira fonte da democracia e por essa razão não pode sofrer embaraços nem nenhum tipo de regulação, sendo causa indispensável para a eficácia dos direitos emanados da vida em sociedade (Ministro Carlos Ayres Britto).

A liberdade de imprensa é inegociável, até porque é fundamento da democracia representativa, razão pela qual a diretoria do Conselho Federal da OAB espera o pleno respeito à Constituição Federal e a defesa da plena liberdade de imprensa e de expressão.

(…)"

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