A Rainha está protegida. O roque – movimento montado no tabuleiro de xadrez que aparece na foto que ilustra o artigo – traduz bem a retomada da parceria política entre Daniel Bordignon, Rosane Bordignon e Anabel Lorenzi que, como pré-candidata à Prefeitura de Gravataí, se filia ao PDT neste domingo, 18h, no auditório do Sindilojas.
O Seguinte: passou a manhã desta sexta com os três professores, na casa de Anabel, na Morada do Vale. Tentarei fazer uma síntese da conversa, onde rememoraram histórias do passado e se comportaram como aqueles velhos amigos que passaram um tempo distante e se reencontraram.
– Amadurecemos. É o ciclo da vida. Não programava concorrer, vivia anos sabáticos, dando 60h de aula e cuidando das plantas. Fazia militância de rua, mas não buscava apenas uma legenda. O PDT apareceu junto a um projeto municipal, estadual e nacional que me representa – resumiu a candidata à Prefeitura nas últimas três eleições, onde enfrentou Daniel em duas delas, 2012 e 2016; Rosane em outra, em 2017; mas com os quais militou do mesmo ‘lado’, mesmo que à distância, no apoio às candidaturas de Ciro Gomes (PDT) e, depois, Fernando Haddad (PT), ano passado.
– Já era para estarmos juntos antes, em 2016 e 2017. Aprendemos – observou Daniel.
– Não é só eleição, nos identifica ver a vida da mesma forma – complementou Rosane.
Por boa parte das quase três horas de entrevista, Anabel, Bordignon e Rosane contaram causos da formação política de cada um, que antes de convergir – e brigar muito – no PT dos anos 80, 90 e 2000, despertou de forma revolucionária em movimentos de base da Igreja Católica inspirados na Teologia da Liberação.
Anabel, sob influência do padre Leo, um oriundo da guerrilha do Araguaia; Bordignon com coração e mente tocada pelo ideário de esquerda nos Cetas (centro de treinamento e ação) e as leituras em xerox de Introdução ao Marxismo, de Mandel; e Rosane na esteira de uma convocação feita no auge da ditadura por Dom Mario Sthoeher:
– De que adianta Ano Internacional da Criança se não derrubarmos as estruturas!
Os três usam da experiência para deixar no passado as rivalidades que os distanciaram desde a época em que Anabel era casada com o hoje prefeito de Cachoeirinha Miki Breier. Até o golpeachment que cassou a prefeita Rita Sanco (PT) e o vice Cristiano Kingeski (PT), com o voto de Anabel, é relativizado em um “foram circunstâncias” ou “não se pode julgar o todo apenas por uma parte”.
– A luta histórica da Anabel é maior do que isso – disse Rosane.
– A idade nos faz mais ponderados, nos conduz ao caminho do meio. Aquela época de PT cabe na máxima “quando há cinco trotskistas juntos, há quatro correntes e alguns pedidos de expulsão” – brincou Bordignon, antes mesmo de participar da fundação, militante de um clandestino Partido dos Trabalhadores.
– A vinda da GM nos afastou à época, porque havia muita disputa entre correntes. Isabel Freitas, que apelidaram ‘Rosa Luxemburgo’, e era da corrente da Anabel, chegou a pedir minha expulsão do PT! Dividiam o partido entre liberais e comunistas! Enfim, até hoje lá em casa a Rosane e a Danielle brincam que sou o menos à esquerda, vê se pode!
Anabel apelou para a beleza retórica da causa canhota:
– Nós sempre lutamos pela democracia, pelos mais pobres e excluídos, pelos que mais precisam. A História não nos cobrará por omissão.
Ao que Daniel e Rosane lembraram que os três assinaram manifesto contra Jair Bolsonaro na última eleição.
– Verdade! Jamais ficamos atrás do muro. Ainda mais em um momento tão difícil para o país – sustentou aquela que ao final de 2018 apelidei de ‘A Esquerdista do Ano’, e já identifica uma corrosão do pensamento vigente na ‘Gravataí, capital do bolsonarismo’, onde sete a cada dez votos foram para o ‘mito’.
Aí, a pergunta. Logo após a eleição, escrevi o artigo Gravataí endireitou, já que a esquerda perdeu 118.233 votos, enquanto o campo do centro para direita cresceu 101.836 entre as eleições de 2014 e 2018, calculando os votos para presidência da república, governo do estado, câmara federal e assembléia legislativa. Assim, ainda é possível projetar que Bordignon e Rosane tenham os mais de 40 mil votos que receberam, cada um, em 2016 e 2017, e Anabel seus mais de 20 mil, o que, na frieza dos números, os tornaria favoritos na eleição, já que Marco Alba fez em uma pouco mais de 30 mil e na outra menos de 50 mil?
– Política não é matemática, mas as últimas eleições mostraram que a oposição fez mais votos. E o governo é impopular. O que mudou? Não acredito em uma divisão pura e simples entre esquerda e direita. As pessoas querem um bom governo para sua cidade – argumentou Anabel.
– Podemos ter esses votos, ou ter mais, ou menos, mas é fato que nas eleições de 2016 para a Prefeitura o campo de centro-esquerda fez 75 mil votos e o do atual prefeito pouco mais de 30 mil – compara Bordignon, fazendo uma retrospectiva que mostra o maior número de votos do mesmo espectro político desde sua primeira eleição, em 1996.
Apesar de apenas dois meses percorridos desde a reaproximação, que conforme conta Anabel teve no vereador Dilamar Soares (PSD) um artífice, o discurso já parece afinado na lembrança do legado de Bordignon, além de sedutor a uma base histórica dos ex-petistas: o funcionalismo.
– Anabel teve papel fundamental no sucesso de meus oito anos de governo – disse o ex-prefeito entre 97 e 2004, ano anterior ao da migração da professora do PT para o PSB.
– O governo atual é muito distante. As pessoas querem participar das políticas públicas. O projeto do prefeito para a educação é claramente de alguém que não conhece a área. A desvalorização do professor, do funcionalismo em geral, com cinco anos de perdas salariais, impacta na qualidade da educação e dos serviços – discursa a pré-candidata.
Sobre coligações para 2020, os três falam mais em off do que em on.
– Uma coisa de cada vez. Filio-me domingo! – brincou Anabel.
– Não nos interessam más companhias. Quando se vende a alma, o diabo vem buscar – disse Rosane, ao que Bordignon emendou com uma de suas frases preferidas:
– A gente governa do jeito que ganha a eleição.
Mas, ao que parece, a aposta é que o tamanho da candidatura, com apoio de Bordignon e possivelmente com Rosane de vice (“eu ficaria muito feliz”, não escondeu a própria Anabel), desidrate outras candidaturas de oposição, como de Dimas Costa (PSD) e Levi Melo (PRB), e crie uma polarização com a candidatura escolhida pelo prefeito Marco Alba (MDB).
– Não vai me chamar de ‘poste’? – sorriu Anabel, nas despedidas.
Bordignon apressou-se em responder:
– Que poste é esse que desde que concorreu a primeira vez já fez mais de 100 mil votos!
Entre sorrisos, e o comentário de que, ontem, as filhas Danielle e Raquel se tornaram amigas nas redes sociais, uma revelação: Daniel disse que não havia nenhum acordo entre os três para eleições futuras. Anabel não concordou:
– Se tudo der certo e ganharmos a eleição, governo por quatro anos. E gostaria muito de ajudar a eleger Daniel Bordignon como sucessor em 2024.
– Quem sabe sou teu vice…
Quando Anabel pegava a bolsa para ir para a escola, ouviu dos Bordignons a sugestão para que assista Kung Fu Panda, a animação aquela cuja frase que lembro combina com o momento dos três:
– O ontem é história, o amanhã é um mistério, mas o hoje é uma dádiva. É por isso que se chama presente.
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