crise do coronavírus

Vereador de Gravataí luta pela vida: colega ’medicou-o’; Parem com curandeirismo, por favor!

CTI do Clínicas de Porto Alegre, que é hospital de referência para Gravataí, segue lotado, como o Hospital de Campanha e o Dom João Becker | Foto SILVIO ÁVILA | HCPA

Gravataí é território livre da cloroquina, como tratei em artigos como Ninguém quis fornecer cloroquina para Gravataí; é fria, prefeito!. Da Ivermectina, vendida sem receita médica, não. Reputo estamos frente a uma polêmica moral, mas com potencial criminal, cível e político – além de letal. Com a COVID-19, o vereador de quinto mandato Roberto Andrade (PP) luta pela vida no Hospital de Campanha. Um colega ‘receitou’ a ele o ‘kit precoce’.

Peço paciência e atenção às informações e links preciosos que trarei neste artigo, porque não importa o lado da ferradura ideológica de cada um. São os fatos, aqueles chatos que atrapalham argumentos.

Começo pelo que mais me chocou.

Tive acesso a prints de troca de mensagens em grupo que reúne vereadores de Gravataí onde, às vésperas da internação, Robertinho relata o contágio. Colegas de Câmara desejam melhoras e, em compartilhamento de áudio enviado pelo vereador, o líder da bancada, o autointitulado Policial Federal Evandro Coruja, escreve, dia 27 de fevereiro, sobre o presidente de seu partido:

– Fiquem tranquilos!!! Já mediquei meu Presidente com o tratamento precoce desde quinta-feira.

Se real, ou delírio, o tratamento precoce não funcionou em Robertinho, que após alguns dias com sintomas em casa procurou o Hospital de Campanha onde está internado há uma semana, como tratei em Vereador no oxigênio, consultas suspensas e Santa Casa esgotada; Terça de colapso em Gravataí. Em nota, que você lê clicando aqui, a assessoria do vereador divulgou sábado um último boletim.

A licença do parlamentar do cargo, o que mostra a gravidade da situação, foi comunicada nesta segunda e, conforme o presidente da Câmara Alan Vieira, o suplente Roger Corrêa (PP) assume na sessão desta quinta.

Fato é que a polêmica do ‘kit precoce’ já está além da ideologia. Está no tapetão.

A Prefeitura não comprou o medicamento, como tratei em Gravataí vai fornecer Cloroquina pelo SUS; a responsabilidade está com os médicos, e por isso está fora da escandalosa rota da cloroquina, que a Agência Pública seguiu na reportagem O Mapa da cloroquina: como governo Bolsonaro enviou 2,8 milhões de comprimidos para todo o Brasil.

Isso, que tratei em  Gravataí vai fornecer Cloroquina pelo SUS; a responsabilidade está com os médicos, salvou o prefeito Luiz Zaffalon e o ex-prefeito Marco Alba de serem alvos da investigação aberta pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a partir de representação do Ministério Público de Contas (MPC), para que sejam apuradas as compras por prefeituras de medicamentos sem eficácia comprovada para tratamento precoce de pacientes com COVID-19.

Decreto municipal apenas permitiu que médicos receitassem, mas, apesar da fila na Farmácia Municipal, como tratei em Não vai ter helicóptero distribuindo Cloroquina pelos céus de Gravataí, nenhum comprimido foi distribuído gratuitamente.

O atual vice-prefeito, Dr. Levi, chegou a defender o uso do ‘tratamento precoce’ em live no perfil oficial da Prefeitura no Facebook, mas recuou após o juiz Eugênio Couto Terra, da 10ª Vara da Fazenda Pública, vedar a distribuição dos medicamentos para o tratamento do coronavírus em Porto Alegre “enquanto não existirem evidências robustas, baseadas em pesquisas clínicas e reconhecidas pela comunidade científica, da eficácia deles para o tratamento precoce da patologia”.

O Seguinte: teve acesso a prints de mensagens nas quais o médico responde a eleitor que pede a distribuição do ‘kit precoce’ na rede pública de saúde de Gravataí. Dr. Levi reafirma sua simpatia ao tratamento, mas observa que é preciso cumprir a ordem judicial.

Receitas particulares, porém, seguem distribuídas.

Assim como o uso da ivermectina, vermífugo que não precisa de receita médica como confirma a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em Gravataí, há quem ingira como bala de menta.

No Brasil também.

Reportagem desta terça publicada pelo UOL, a maior plataforma de distribuição de conteúdo do país, alerta: Na UTI, pacientes dizem a médicos e enfermeiros que tomaram ivermectina.

– Quando vou intubar a pessoa, ela reclama: “doutor, eu tomei ivermectina em casa, não é possível”. Eu tento explicar que ele não tem verme, mas não ajuda em nada na covid – conta enfermeiro na matéria que em São Paulo ouviu profissionais de saúde dos hospitais das Clínicas, São Luiz, Albert Einstein, Sírio Libanês, Samaritano e Oswaldo Cruz.

De acordo com eles, os pacientes – alguns que foram intubados por complicações da covid-19 – disseram ter tomado ivermectina de maneira preventiva ou quando apresentaram os primeiros sintomas, em casa.

Igual a Robertinho? As evidências são essas, mas só o vereador ou médicos autorizados podem dizer.

A reportagem teve acesso a dados de um hospital particular de São Paulo que apontam que, dos 49 pacientes internados na unidade até ontem, seis tomaram ivermectina ou cloroquina. Três estão internados em estado grave na UTI. Outros três estão na enfermaria. Não consegui dados locais.

O Dr. Ely Magrisso, um dos médicos mais experientes e queridos de Gravataí, é um entusiasta da distribuição de vermífugos para a população. Nunca ao uso indiscriminado.

– Há pacientes que relatam tomar dois, três, quatro comprimidos por dia, há meses – é relato que ouvi de quem conhece cada divisória do Hospital de Campanha de Gravataí.

Vejam que, mesmo que sob a condição de anonimato, chegou ao ponto de médicos comemorarem que a ivermectina ‘substituiu’ a cloroquina – que apresenta mais riscos colaterais, como arritmias e lesões no fígado.

Sem meias palavras, o médico Evaldo Stanislau falou à reportagem:

– A ivermectina para mim é inócua. Não interferiu, exceto a chatice de desdizer e desfazer conceitos. O que é sempre desgastante. Mas, na prática, obviamente, 100% de quem pegou covid e tomou ivermectina evoluiu com ou apesar da ivermectina.

Antes de concluir, por didática, reproduzo a introdução da reportagem Tratamento precoce | 'Kit covid é kit ilusão': os dados que apontam riscos e falta de eficácia do suposto tratamento, publicada pela BBC Brasil, sobre esse mix farmacológico que não é reconhecido ou chega a ser contraindicado por entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e da Europa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI):

 

“…

Durante a Peste Negra que assolou a Europa no século 14, os médicos recorreram aos mais diversos ‘tratamentos’ para lidar com as doenças. Alguns apostaram numa técnica de esfregar cebolas ou carne de cobra nos furúnculos que apareciam na pele. Outros sugeriam que os pacientes sentassem perto de fogueiras ou de fezes para expulsar a doença do corpo.

Mais recentemente, quando a gripe espanhola de 1918 se espalhou pelos continentes, também não faltaram terapias milagrosas para lidar com a crise sanitária. Alguns especialistas lançaram fórmulas à base de formol, canela e até flores de jasmim amarelo para ‘curar’ a doença que matou milhões de pessoas no mundo todo.

O mesmo cenário volta a se repetir agora, durante a pandemia de covid-19. Em meio a um número crescente de casos e mortes, parte dos médicos, parte da população e até o Ministério da Saúde defenderam um suposto tratamento precoce contra o coronavírus cuja eficácia não foi comprovada até o momento.

Segundo diversos estudos rigorosos realizados ao redor do mundo, medicamentos que integram esse ‘kit covid’ ofertado nas fases iniciais da doença no Brasil já se mostraram inclusive ineficazes ou até mais prejudiciais do que benéficos quando administrados nos quadros leves, moderados e graves de covid-19.

…”

 

Ao fim, sem torcida ou secação: para a ciência, o ‘kit precoce’ é curandeirismo.

Para tantos que se tratam em casa e demoram a buscar atendimento médico, a esperança no milagre, e a ‘ideologia do negacionismo’, custará a vida, sua e de outros – e famílias, e a economia destroçadas.

É, no mínimo, uma cassação moral.

A 'ideologia dos números' não mudou nada em relação a ontem à noite, como tratei em Os sacos de corpos, 8 mortes/dia e 51 esperando UTI COVID; Como começa pior mês das nossas vidas.

 

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