A vereadora Jussara Caçapava (Avante) se envolveu em incidente com a coordenadora do posto de saúde Odil, foi até a Prefeitura e ganhou do prefeito de Cachoeirinha a demissão da auxiliar de enfermagem.
Nada ilegal. Era CC, cargo de indicação política.
Reputo, porém, um mau sinal caso Cristian Wasem (MDB) não queira que seu governo seja – expressão que criei – uma ‘República dos Vereadores’.
Vamos às informações e, depois, indico como a polêmica pode ajudar o prefeito a não ser um, guardadas as imensuráveis proporções políticas, ‘Miki 2’: um sequestrado político que, ou se entrega, ou é cassado; lembre-se, Cristian, o ‘padre’ foi ‘excomungado’, justa ou injustamente a justiça ainda não disse que sim, nem que não.
Para situar o leitor: o posto Odil Silva de Oliveira é o ex-24H, a segunda maior estrutura de saúde municipal depois da UPA 24H. Faz mais de 100 atendimentos e procedimentos diários.
Sobre o incidente, eu soube por servidores, que inclusive encaminharam ao prefeito um abaixo-assinado pedindo a manutenção da coordenadora, indicada pela secretária da Saúde Bianca Breier para organizar o posto; ou seja: criar protocolos mínimos, registrados seja em um caderninho, ou online, mas que permitam saber o quanto se atende, como são distribuídas as consultas e o quanto de insumos públicos – exemplifico com fraldas, o ponto da discórdia – são recebidos e entregues aos usuários do SUS.
A CC demitida, que coordenava o posto, não quis falar. Desligou o telefone assim que apresentei o assunto.
– Não quero falar sobre isso. Por favor, não me liga mais.
A secretária da Saúde Bianca Breier disse que estava em férias – apesar de sua nomeação ter sido anunciada em dezembro, já que Cristian antes era um interino na Prefeitura, e só a partir da posse, em 27 de novembro, após a eleição suplementar de 30 de outubro, tornou-se prefeito eleito – e até o fechamento deste artigo, não deu o retorno prometido ao Seguinte:.
Já Jussara Caçapava explicou que recebeu um apelo de uma moradora da zona norte que, além do marido acamado por um AVC, tem uma filha cadeirante que necessita de fraldas, e ajudou, “como sempre faço, porque sou pelo povo”.
– Estava um calorão, fiquei com pena daquela senhora no sol e dei uma carona para ela até o posto. Chegando lá a coordenadora disse que não tinha fraldas. Mas eu estava com a secretária (Bianca) ao celular e ela mandou entregar. Eu sabia que tinha chegado um caminhão no dia anterior – explica a vereadora.
– Eu disse que não sairia de lá antes da senhora ser atendida. A coordenadora chamou uma guarda municipal. Não invadi espaço médico, de atendimento de pacientes e, como sempre, tratei a todos como educação. Sentei em uma cadeirinha e esperei. É nosso governo, o prefeito Cristian faz um trabalho exemplar, mas nunca vou deixar de cobrar pelas pessoas mais humildes e que muitas vezes são maltratadas – relata.
Jussara disse que, após a usuária do SUS receber as fraldas, foi até a Prefeitura, relatou ao prefeito os acontecimentos e a coordenadora foi afastada do cargo.
– Sou vereadora. Tenho a procuração do povo, do voto, para cobrar. Pedi ao prefeito que não demitisse a CC, porque todo mundo precisa do pão de cada dia, mas que transferisse para outro posto no governo para ela aprender a tratar bem as pessoas – explicou.
Por que isso pode ser didático para o governo Cristian?
Primeiro porque os acontecimentos mostram que, se há um protocolo, não vejo chance de ter sido respeitado: se a coordenadora disse que não tinha fralda, como a secretária, ao telefone com a política, mandou entregar?
Pode estar tudo certo, como a vereadora Jussara garante. A usuária do SUS tinha cadastro e precisava das fraldas com urgência. Mas, sem um protocolo, o risco de descambar para o “sabe com quem você está falando” se torna possível em outros casos futuros.
Não estou falando em desvio. Nem cogito que, no município que está entre as 15 maiores economias gaúchas, a segunda maior estrutura municipal do SUS não tenha um inventário sobre as tais fraldas. Se chegam de caminhão, a distribuição deve ter outro caminhão de requisições e comprovações de necessidade por quem recebe.
Avanço para as consultas.
O procedimento é o mesmo?
Façamos um exercício de lógica: e se, em algum outro posto de saúde, políticos evocarem poder de mando para cometer um ‘fura fila’ e exigirem a marcação de consultas de seus eleitores antes dos coitadinhos que vão às 4h da madrugada esperar ficha e nem imaginam como agendar online?
Se uma vereadora pede e leva a cabeça de uma coordenadora por um ‘mal-entendido’ na distribuição de fraldas, outros coordenadores pensarão duas vezes antes de questionar os políticos, caso não queiram perder o cargo, não?
Pense nisso, prefeito.
Reputo um desastre político o senhor ter atendido ao pedido da vereadora; ao menos sem uma sindicância.
Vereadores são ciumentos. Qualquer prefeito aprende. “Se ela pode, eu posso!”.
Prepare-se, Cristian, para receber em seu gabinete cabeças de joão batistas servidas em bandejas.
Fato é que, desse episódio, que é Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, didático será se um protocolo rígido for criado pela Secretaria da Saúde – e outras secretarias – e nada acontecer sem registro formal; repito, online, no caderninho, ou até por e-mail ou WhatsApp, que hoje judicialmente são considerados documentos.
É ‘compliance’, nome bonito em gestão, e prática prometida na largada do governo, como reportei em Vice-prefeito eleito, Delegado João Paulo vai ocupar a principal secretaria no governo Cristian em Cachoeirinha; Os 5 primeiros ‘tiros políticos’.
Quando a regra for clara, Arnaldo, a vereadora Jussara, mulher do povo e boa de voto (fez 6.193 para deputada estadual em 2022), poderá cobrar falhas do governo, sejam de CCs ou servidores. Assim como eu, você ou o Ministério Público. Será a ‘República de Cachoeirinha’, não a ‘República dos Vereadores’.
Ao fim, e isso é uma bênção para Cachoeirinha, e para o prefeito Cristian, há gente que não se acomoda no bolso: o peso moral fura o brim.