3° Neurônio | crônica

Violência e estupidez nas caixas de comentários | Ernani Ssó

Numa conversa com meu vizinho Ayrton Centeno, escritor e jornalista, ele me disse que se sente aliviado ao ler as caixas de comentários. Diante de tanta violência, ele se sente bom e virtuoso. Imagino que só não se sinta um santo porque no Brasil há apenas um santo, Geraldo Alckmin, não por coincidência do PSDB, partido que tem assento garantido no céu. Centeno acha inclusive que muito canalha, depois de uma cognição sumária, pode se sentir bom e virtuoso ao ler certos leitores. Vivemos tempos de alto-contraste.

Diante de tanta estupidez, não tem jeito, Centeno se sente inteligente. Confesso que até eu, o menos dotado da família, me sinto inteligente. Mas cabe examinar os detalhes, não?

Como não se sentir inteligente diante de pessoas que pensam por slogans, se é que podemos usar a palavra pensar nesse caso? Como não se sentir inteligente diante de pessoas que não conseguem escrever um comentário que tem mais erros que linhas? Como acreditar que alguém pensa com clareza se escreve assim? Como não se sentir inteligente diante de pessoas cujo horizonte mental não ultrapassou o imaginário da UDN no fim dos anos 50? Como não se sentir inteligente diante de pessoas que fazem da própria desinformação o seu credo? Como não se sentir inteligente diante de pessoas que reagem apenas com a amígdala, como se o resto do cérebro não existisse? Como não se sentir inteligente diante de pessoas que carregam as bandeiras da plutocracia que as exploram desde o tempo das capitanias hereditárias?

Se a burrice não estivesse aliada à violência, dava pra gente sentir pena dessas pessoas.

Já fui chamado, por alguns leitores – ou “leitores”, já que pra eles a interpretação de texto é um mistério que bota os buracos negros no chinelo –, de comunista, de anticomunista, de machistoide e de feminista. Assim é difícil levar a vida. O que devo pensar cada vez que me olho no espelho de manhã cedo? Olha o que vai fazer, seu comunista anticomunista! Olha bem.

Agora, por dizer que o Lula deve ser criticado por seus erros, não por ter perdido um dedo, me chamaram de romântico piegas. Agora, por dizer que Cervantes também foi alvo de chacota por ter um defeito físico, dizem que diminuo Cervantes como se estivesse comparando Cervantes a Lula. Agora, por dizer que Sérgio Moro faz piada com o defeito físico de Lula, mas jamais faz piadas com os defeitos éticos de outros personagens conhecidos dele, dizem que ataco a Justiça pra defender o Lula. Agora, ao apontar algumas ilegalidades do Moro – ilegalidades reconhecidas por dezenas de juristas e até pelo pomposo e sonolento STF, menos pela Globo e congêneres –, dizem que sou lulista. Bom, diante disso tudo, gostaria de fazer uma pergunta apenas: quando vocês somam dois mais dois, que resultado vocês encontram?

 

Consciência da morte

 

Sempre se diz que o que diferencia o homem dos animais é que o homem tem consciência da morte. Muito bem. Mas como a maior parte da humanidade é religiosa, como não há uma religião que não prometa que há vida depois da morte, me parece que o homem driblou essa diferença direitinho.

 

Descrição

 

Era tão delicado que chamava o Mar Morto de Falecido.

 

Ernani Ssó é escritor, vive em Porto Alegre. Colabora com os sites Coletiva Net Sul21e virou colaborador fixo do Seguinte:

A carica do colunista na capa do site é do Cado, caricaturista gaúcho.

 

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