RAFAEL MARTINELLI

Até Bordignon bate continência para escola cívico-militar em Gravataí…

Bordignon em entrevista ao Porto Alegre 24 Horas/Terra

Em entrevista ao POA 24H/Terra, o candidato a prefeito Daniel Bordignon (PT) garantiu que não defende o fim da escola cívico-militar em Gravataí, lembrou aplicação em governos petistas no Nordeste e disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nunca se manifestou contrário ao modelo.

Não acredita? Clique aqui para assistir.

Foram investidos R$ 4 milhões nos dois primeiros anos de funcionamento da Murialdo, que é a primeira escola cívico-militar rural do Brasil, atende 700 alunos e tem 35 professores e 3 policiais militares aposentados, que não precisam ter capacitação alguma para lidar com crianças e adolescentes.

A criação de mais escolas no modelo idealizado pelo bolsonarismo está no plano de governo e foi promessa do prefeito candidato à reeleição, Luiz Zaffalon (PSDB) em encontro com o ex-presidente Jair Bolsonaro; leia em Zaffa almoça com Bolsonaro e promete mais escolas cívico-militares em Gravataí; Da boina à medalha do ‘imbrochável, incomível e imorrível’.

Realmente, não localizei declaração crítica de Lula. Mas fato é que, em junho de 2023, o presidente encerrou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares do Ministério da Educação, desencadeando a aprovação de leis estaduais recriando o modelo, como aconteceu em abril de 2024 no Rio Grande do Sul, com o aval do governador Eduardo Leite (PSDB).

E, em 13 de agosto, a Advocacia Geral da União (AGU) encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) um parecer declarando o Programa das Escolas Cívico-Militares no Rio Grande do Sul inconstitucional. De acordo com o chefe da AGU, Jorge Messias, a Lei Estadual 16.128, promulgada em maio de 2024, adentra indevidamente na seara de competência da União. 

“Resta demonstrada a inexistência de fundamento constitucional que permita a criação de escolas cívico-militares da forma como realizada pela legislação sob invectiva, haja vista que a Constituição Federal, mesmo considerando as características do modelo federativo, não outorga aos estados federados a competência legislativa para instituir um modelo educacional distinto daquele delineado pela Lei nº 9.394/1996”.

O CPERS e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) entraram, em julho, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7682) para barrar a regulamentação das escolas cívico-militares no estado. Agora, o processo vai para a Procuradoria Geral da República (PGR) e, posteriormente, será encaminhado para julgamento no STF. 

Civil de nascença, apelo que os defensores perdoem a crueza, mas reputo são escolas militares ‘fake’ – ao menos no que se construiu no imaginário popular. É uma constatação que não cabe apenas na Murialdo, e sim em todas as 202 escolas que aderiram ao modelo no Brasil desde o governo Bolsonaro.

Fato é que as escolas cívico-militares nada têm a ver com os colégios realmente militares, mantidos pelo Ministério da Defesa ou pelas PMs.

O programa lançado pelo ex-presidente em 2019 consiste na administração compartilhada de escolas públicas, estaduais ou municipais, entre civis e militares da reserva, sejam egressos das Forças Armadas ou das PMs.

Alguns depoimentos reforçam meu argumento.

– Não se explicitou para a população a diferença entre o modelo proposto e o implementado – já alertou à GZH a professora associada e vice-diretora da Ufrgs, Aline Cunha.

Ao site, a pesquisadora sobre a militarização da educação, Iana Gomes de Lima, que é professora adjunta da Faculdade de Educação da Ufrgs, também estabelece diferenças: na escola pública não é necessário passar por um processo seletivo difícil para ingressar, o que pressupõe que alunos dos colégios militares tenham melhor avaliação:

– O programa é muito calcado nessa ideia de que as escolas cívico-militares terão a qualidade dos colégios militares, mas a gente sabe que isso é totalmente falso, porque a gente está falando de escolas públicas que são plurais, pra todos e pra todas, e que vão seguir tendo um investimento muito pequeno. O próprio salário dos professores de colégios militares é muito maior do que o de docentes de escolas públicas.

Aline Cunha também alertou para a militarização da escola.

– O que se quer alcançar com o sujeito na educação é diferente do que se quer na prestação de um serviço militar. Esse paralelo é, na sua origem, equivocado. No âmbito militar, qualquer comportamento civil é considerado rebeldia, subversão, uma concepção de educação que nós buscamos superar na abertura democrática, com a Constituição de 1988 e, sobretudo, na Lei de Diretrizes e Bases, em 1996 – disse.

Já Iana observou ainda que os militares que atuam como monitores não passaram por capacitações para trabalhar em escolas, o que acaba gerando conflitos e divergências de entendimento sobre o que é disciplina:

– Todo professor deseja uma turma respeitosa, mas a ideia de disciplina que construímos junto com alunos e alunas é pautada em princípios muito diferentes dos militares. A gente quer que eles e elas entendam que o que estão fazendo envolve respeito, pluralidade, diferença e coletividade, e não que façam isso por medo ou por uma questão autoritária.

Mais duro é o jornalista Reinaldo Azevedo: “a rigor, o que há de fato é um gigantesco cabidão de empregos para militares da reserva fazerem um bico, atuando como bedéis. Sim, acreditem: a sua função quase sempre se resume a ‘manter a disciplina’ e a dar pitaco aqui e ali na gestão”.

Ao todo, o programa empregava 892 militares, com salários que vão de R$ 2.657 – para terceiro-sargento – a R$ 9.152, quando coronel. Os ganhos se somam ao que recebem das respectivas Forças.

“Fazem um bico nos estabelecimentos de ensino e têm, na média, um salário maior do que o dos professores. A ‘eficácia’ do programa se limita à adoção de uniforme (às vezes), ao perfilamento de estudantes para cantar o Hino Nacional em datas específicas e à cara feia”, considera.

O custo foi caro para o MEC: em 2022, R$ 64,2 milhões; em 2023, R$ 86,5 milhões.

“Só para que se tenha noção do ridículo da ‘revolução bolsonariana’ na educação, há no país em torno de 50 milhões de alunos no ensino básico da rede pública. Como os militares custaram R$ 86 milhões para “cuidar” de 120 mil alunos em 2023, qual seria o custo se o modelo valesse para todos? Ah, a bagatela de R$ 35,8 bilhões só para pagar a milicada”, conclui.

Ao fim, não só por civil de nascença, sou crítico do modelo, que não é utilizado nos países líderes nos rankings de avaliações internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), e conflita com a LDB, que é a ‘Constituição da Educação’.

Sem indicadores devidamente analisados por especialistas, resta um “no meu tempo era bom!”, que quase sempre não passa de memória autobiográfica – o que a psicologia explica.

São aquelas recordações que criamos inadvertidamente, inconscientemente, que não correspondem à realidade, mas que se adequam à história que construímos sobre nossa vida, personalidade e, por consequência, comunidade.

Ainda em março de 2021, quando o prefeito Zaffa aderiu ao programa, descrevi o modelo como uma “mina ideológica”.

Sim, porque defender a escola cívico-militar como garantia de disciplina pode fazer parecer que os professores civis são os responsáveis pela suposta indisciplina.

E há pais que adoram se esconder nessa trincheira. Pesquisa feita pela Secretaria de Educação do Paraná mostrou 75% de aprovação entre famílias de alunos.

Mina ideológica é, também, porque o comparativo do investimento com os resultados no aprendizado não parece justificar um programa nacional – ou, como agora, estadual – em tempos de teto de gastos para educação.

Mas, aprovado nas urnas por 51,3% dos eleitores em 2020, Zaffa tinha toda legitimidade para implantar em Gravataí uma escola cívico-militar, que, goste-ou não, inconstitucional seja ou será, é motivo de comemoração para muitos de seus eleitores.

Associado ao bolsonarismo na eleição de 2024, nada surpreende o prefeito incluir em seu plano de governo mais duas escolas e ter prometido pessoalmente ao ex-presidente manter o programa.

Choca-me a posição de Bordignon. Se o maior expoente eleitoral da esquerda em Gravataí bate continência para escolas cívico-militares, resta o quê para os civis de nascença?


LEIA TAMBÉM

É bom ou ruim? Bordignon posta vídeo com apoio de Lula; O extremo da democracia

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade