No #DasUrnas, siga diariamente quem ganhou, quem perdeu, quem empatou e os números e análises da eleição de 2024.
O ‘Lula de Gravataí’, Daniel Bordignon (PT) não foi na eleição de 2024. Se em 2020, com Anabel Lorenzi, já não fora mais o ‘Grande Eleitor’ de outrora, quando elegeu prefeitos Sérgio Stasinski e Rita Sanco, sua derrota eleitoral – e política – como candidato depois de 8 anos de inelegibilidade veio nas urnas em 6 de outubro.
O ex-prefeito ficou em terceiro lugar, com 18.739 votos, ou 14,95 % dos votos válidos; os adversários Luiz Zaffalon (PSDB) e Marco Alba (MDB) receberam 64.125 (51,17%) e 42.445 (33,87%) votos.
Mas não, não reputo o ex-prefeito seja o maior derrotado da eleição. Há circunstâncias e atenuantes que vão além da aldeia.
Vamos à análise.
Escrevi ontem, ao fazer a engenharia reversa da derrota de Marco Alba (MDB), em #DasUrnas | Marco Alba foi ‘vítima’ do que construiu – e bem. Ou: Pelé errou o pênalti:
“(…) Começo pela metafísica, pelo Zeitgeist, o ‘espírito do tempo’. Em um mundo de velocidade digital, onde o eleitorado ou é um filhotes do algoritmo, ou é influenciado por filhotes do algoritmo, Marco Alba foi analógico (…)”.
Vale o mesmo para Bordignon. Com uma diferença para pior: se Marco se preservou de polêmicas por um ano até o período eleitoral, Bordignon sumiu por quatro, ou mais anos.
Foi inegavelmente tímido seu combate ao bolsonarismo que em 2018 recebeu 7 a cada 10 votos gravataiense e, em 2022, 6 a cada 10.
Na última década as entrevistas e aparições de Bordignon nas redes sociais tem se limitado quase que exclusivamente às campanhas eleitorais.
Nesta semana, depois de 45 dias de postagens diárias, já parece ensaiar uma retomada da ausência digital. Agradeceu os votos em um post insípido, inodoro e incolor, mas não há sequer uma postagem saudando aquela que foi a grande vitória do PT: a eleição de Vitalina Gonçalves, licenciada da presidência do sindicato dos professores (SPMG) e que recupera uma cadeira na Câmara de Vereadores que o partido não tinha há 8 anos.
Mais uma vez cabe em Bordignon análise que fiz ontem sobre as estratégias políticas de Marco:
“(…) A mania por controlar os movimentos partidários e, consequentemente, o noticiário político da aldeia, também se mostraram sob teste. No Brasil em que a crise da manhã é superada pelo escândalo da noite, autopreservação não parece mais uma boa escolha (…) O líder, à distância no bunker, agarrado a uma estratégia que com poucos, ou com ninguém compartilha, também (…)”.
Esse comportamento analógico também motivou cobranças durante as enchentes de maio, quando o político pouco se manifestou, mesmo sendo o grande líder do partido que está no governo federal e tinha em Paulo Pimenta uma espécie de ‘governador federal’.
Durante a catástrofe, o único movimento de Bordignon foi acompanhar o ministro extraordinário da Reconstrução do Rio Grande do Sul em visita à Prefeitura. Não aceitou convite do prefeito Zaffa para sentar à mesa e ficou em pé, escorado na parede do gabinete, com cara de poucos amigos, como mostram fotos da cerimônia.
Aí, quando tentou se colar ao anúncio de R$ 2,9 bilhões do PAC de Lula para a Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, maior investimento da história na região, pareceu estratégia eleitoreira, ao menos na leitura das redes antissociais da aldeia.
Se na entrevista ao Seguinte:, dada na pré-campanha e tirada do ar pela justiça eleitoral, identificou Zaffa e Marco como “fascistas”, que apoiariam Bolsonaro caso o ex-presidente tivesse sido reeleito e cometido um golpe de estado, Bordignon moderou o discurso assim que o período eleitoral foi deflagrado, admitindo até escolas cívico-militares, numa obvia tentativa de ampliar os votos para além das esquerdas – o que não conseguiu.
Vamos à ‘ideologia dos números’.
Em 2016, na eleição em que foi eleito prefeito nas urnas, mas não pode assumir por ter o registro da chapa cassado devido à suspensão de seus direitos políticos pela contratação irregular de funcionários como médicos e professores em seus dois mandatos frente à Prefeitura, tinha recebido 45.374 votos.
Em 2020, então no PDT e inelegível, apoiou a chapa Anabel Lorenzi e Rosane Bordignon, que recebeu 13.181 votos (11,69%). A soma com os votos de Tamires Paveglio (PSOL), 3.026 votos (2,68%) e Jairo Carneiro (PT), 2.038 votos (1,81%), chegou a 18.245.
Em 2024, fez 494 votos a mais que a esquerda somada em 2020, na eleição deste ano apoiado também por PSB, que estava coligado com Zaffa no pleito anterior e pelo PV, que esteve com Dimas Costa (PSD).
Com uma estrutura razoável de campanha, com mais de meio milhão de fundo eleitoral, há de se colocar na conta a perda de aliados não apenas nos anos de inelegibilidade, mas antes.
Se desde a primeira eleição como prefeito em 1996 já tinham ficado pelo caminho Miki Breier, Carlito Nicolait, Alex Peixe, Anabel, Cláudio Ávila e Dimas Costa, Bordignon também perdeu seu time operacional, que era comandado por Cristiano Kingeski e Diego Pereira. Rosane Bordignon, também beneficiária dessa estrutura no passado, recebeu apenas 480 votos em 2024.
Nesta constelação de estrelas caídas no curso do bordinismo, Dimas merece um capítulo. Apoiou Rosane Bordignon na eleição suplementar de 2017, mas não teve a recíproca ao disputar a Prefeitura em 2020 e nem o aceite de Bordignon para ser seu vice em 2024 – o que defendia por ter rejeição menor das pesquisas.
Salvo melhor juízo, Bordignon pareceu não se esforçar muito para tentar convencer o ex-petista, hoje o ‘embaixador’ em Gravataí do governador Eduardo Leite (PSDB), a ser seu vice. Funcionaria eleitoralmente? Dificilmente. Urnas abertas, talvez restassem os dois soterrados pelos mais de 106 mil votos que fizeram Zaffa e Marco somado na Gravataí que, se não é de direita, ao menos centrão é.
Mas o fato político não foi criado.
Fato é que a campanha de Bordignon também representava um ‘estreitamento de inimizades’. No próprio PT. Bordignon teve sua volta ao partido vetada pelo diretório gravataiense, que não esqueceu da então vereadora Rosane Bordignon usando a tribuna para dizer que “PT só tem ladrão e defensor de ladrão”. Para retornar ao partido que ajudou a fundar, em 1982, precisou do desempate do então presidente Paulo Pimenta no diretório estadual.
– É o mal menor – assim petista raiz descrevia a escolha por Bordignon com candidato a prefeito.
A DS, corrente de Rita Sanco, se fez campanha para Bordignon, ninguém sabe, ninguém viu.
Stasinski foi um retorno imposto, pelo PV integrar a federação partidária que reúne também PT e PCdoB. Culpado pelo próprio Bordignon, em debate nesta eleição, pelo endividamento de Gravataí que era criticado pelos adversários.
Paulo Silveira (PSB), único vereador da coligação, e não reeleito, estava na coligação por pragmatismo.
Inegável é, também, que a campanha foi abalada pelo vazamento de relatório do Conselho Tutelar pedindo investigação sobre suposto assédio de Bordignon em conversas de WhatsApp com ex-aluna adolescente.
É pauta cara para a esquerda. Faltou mais que um esclarecimento, careceu de um pedido de desculpas de Bordignon.
O PSOL, que integrava a coligação, retirou apoio após o vazamento. Sem fazer campanha para Bordignon, mais bateu em Marco Alba, e menos em Zaffa. Foi um ‘PSOL de Rua Coberta’, como brinco.
Há também de se observar o discurso de Bordignon. Não empolgou. Foi muito ‘Anos 90’. Focar no Orçamento Participativo, sem apresentar alguma inovação no sistema, se mostrou contraproducente em uma Gravataí onde até hoje pessoas chamam a consulta popular de ‘Orçamento Enganativo’ por, no governo petista de Sérgio Stasinski, nesta eleição nas ruas fazendo campanha ao lado de Bordignon, o Orçamento Municipal ter inscrito ruas sem ter recursos para execução.
“Minha rua consta como asfaltada na Prefeitura, mas nunca foi”, é quase que um bordão nas redes sociais gravataienses.
Até se apresentar como ‘o prefeito da GM’ não pareceu guardar mais impacto, mesmo que a montadora responda por metade do orçamento bilionário de Gravataí.
A aposta de fazer campanha ‘no fundo da vila’ também já encontra a barreira do ‘Evangelistão’ e da ‘marçalização’, o fenômeno do ‘pobre de direita’. O ‘antissistema’ que identifica no PT o sistema, já que o partido venceu cinco das últimas seis eleições para o Palácio do Planalto, e com uma política econômica liberal, que comemora déficit zero, alta do PIB e classificação positiva de agências internacionais, resta domesticado nas ruas.
Impossível é, porém, deixar de considerar como atenuante ao fracasso de Bordignon a criminalização do PT, desde o golpeachment contra Dilma em 2016 – em Gravataí antecedido pelo golpeachment de 2011 contra a prefeita mais votada da História de Gravataí com 68 mil votos, Rita Sanco (PT) – até a prisão sem provas de Lula.
Incrível mas, mesmo com o maior socorro já liberado pelo governo federal para catástrofe em um estado da federação, até hoje tiozões e tiazonas do zap, e a sobrinhada toda, reclamam mais de Lula do que de Leite, de Sebastião Melo ou de seus deputados negacionistas do clima.
Pudessem alguns, editariam para ‘petistas’, ‘esquerdistas’ ou ‘comunistas’ decreto nazista de 1° de setembro de 1941, criado para, conforme Goebbels, “tornar o inimigo visível”:
“(…) A estrela pintada de preto sobre um fundo de tecido amarelo, do tamanho de um pires de mão, com o dizer ‘Jude‘ […], deverá ser portada de forma visível, costurada sobre o peito esquerdo da vestimenta de todo judeu a partir dos 6 anos de idade (…)”.
Se bem que já vimos isso em Gravataí. O vice de Bordignon, Diego da Veiga Lima (PSB), já constou em lista fabricada pela elite do atraso local, o que tratei em 2022 em Sobre a ‘Lista de Petistas com negócios em Gravataí (Eu não vou comprar mais nem uma bala)’; Nazistas ordinários!.
(Um parêntese: a escolha do vice considero um dos acertos da campanha. Apesar da pouca expressão política, disputou sua primeira eleição e é um intelectual que reúne uma base de clientes trabalhadores para quem advoga, como um dos profissionais mais reconhecidos do RS. Se não se assustou com os coices da política, é um quadro qualificado para renovação da esquerda aldeana).
Ao fim, reputo Bordignon não conseguiu ser Lula, que em 2022 recebeu em Gravataí 57.730 votos (39,83%). Moderou o discurso, mas não ampliou além da esquerda. Muito por não ter adversários políticos extremistas, responsáveis pelo ódio que separa famílias, negacionistas cúmplices de mais de meio milhão de mortes na pandemia ou golpistas delirantes que estimulam contatos extraterrestres ou reza para pneu.
Enfrentou, ainda, o principal: a barreira da popularidade tanto dos governos de Marco Alba, quanto do primeiro mandato de Zaffa, em eleição municipal onde a ideologização não cola como na eleição presidencial; e venceu aquele que faz um bom governo, como analisei em #DasUrnas | Zaffa foi reeleito porque faz um bom governo em Gravataí, e mais.
Para encerrar, insisto: não, não considero Bordignon o grande derrotado na eleição. Há um calvário enfrentado pelo político desde 2008, com impugnações contestáveis e inelegibilidade. Não deveria sumir até a próxima a eleição, mesmo que, talvez, aos 65 anos, possivelmente já reflita sobre uma aposentadoria das urnas, tenhamos ou não nova eleição após parecer do Ministério Público opinando pela cassação da chapa Zaffa e Levi.