O vice-prefeito de Gravataí Dr. Levi Melo (Podemos) disse, no podcast Giro Semanal, que integra grupo de médicos que pesquisa “complicações que vacinas (contra covid) trouxeram para a população”.
– Temos muitos jovens falecendo de morte súbita pós-vacinal – disse, a partir do minuto 44:15 na entrevista que você assiste completa clicando aqui.
Não sou médico, cientista ou pesquisador da área. Mas entendo de linguagem e da simbologia dos discursos políticos e suas conseqüências. É por isso que reputo perigosa a fala de Levi. Para além de profissional da área, é um político reeleito para o cargo, em uma chapa com o prefeito Luiz Zaffalon (PSDB), que recebeu 64.125 votos, o que lhe confere autoridade. É um influenciador, um farol para muita gente.
Meu pai, cirurgião-dentista, tem a mesma preocupação do Dr. Levi. Porém, o Marialvo não é político, e o alcance de suas dúvidas não atinge uma cidade metropolitana ou tem potencial para fazer famílias duvidarem ao levar filhos para vacinar até mesmo contra doenças como a pólio e o sarampo.
Dr. Levi refere pesquisas “nos Estados Unidos”, mas não há qualquer confirmação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que mortes súbitas tenham relação com as vacinas.
Conforme o Ministério da Saúde, todas as vacinas contra o Sars-CoV-2, o vírus da covid-19, são comprovadamente seguras e eficazes. “Além de passarem por um processo rígido de avaliação pela Fundação Oswaldo Cruz, elas possuem a autorização de uso pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, diz comunicado.
No boletim de monitoramento da segurança das vacinas, realizado pelo ministério, não há dados que confirmem aumento de mal súbito em consequência da vacina.
O órgão tem no ar um site, o Saúde com Ciência, para esclarecer fake news, que você acessa clicando aqui.
O Seguinte: questionou o secretário da Saúde de Gravataí, Régis Fonseca, indicação de Levi no governo, e presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (COSEMS/RS), sobre a posição do vice-prefeito e as políticas de vacinação.
“A posição do governo Zaffa/Dr.Levi é de promover ações permanentes para alcançarmos as metas de cobertura vacinal. Prova disso é o desempenho de Gravataí, que vem avançando a cada ano, a partir do trabalho realizado pela nossa rede. Como presidente do COSEMS, também tratamos o tema como prioridade, haja vista a necessidade de atingimento contínuo das metas de cobertura vacinal no âmbito estadual”, respondeu o secretário, por mensagem, sem fazer referência direta à fala do vice-prefeito.
Sem comprovação científica
Fato é que, até o momento, não há estudos científicos robustos que demonstrem um aumento significativo no número de mortes de jovens atribuíveis às vacinas contra a covid.
As principais conclusões de órgãos de saúde e pesquisas incluem:
1.Segurança Geral das Vacinas: Organizações como a OMS, CDC e EMA reiteram que as vacinas contra covid são seguras e eficazes, com efeitos colaterais graves extremamente raros. A maioria das reações adversas é leve e temporária – por exemplo: dor no local da injeção, febre baixa.
2.Miocardite/Pericardite: Estudos identificaram um risco raro de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação do revestimento do coração) após vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna), principalmente em homens jovens. No entanto, a maioria dos casos é leve e resolve-se com tratamento simples, o risco é significativamente maior após a infecção por covid do que após a vacinação e grandes estudos populacionais (EUA, Israel, países europeus) não encontraram aumento na mortalidade associada a esses eventos.
3.Monitoramento de Mortes: Sistemas de vigilância, como o VAERS (EUA) e o EudraVigilance (Europa), registram eventos adversos pós-vacinação, mas relatos isolados não implicam causalidade. Investigações detalhadas de mortes suspeitas geralmente mostram que outras causas (condições pré-existentes, acidentes) são responsáveis, sem ligação direta com a vacina.
4.Estudos Populacionais: uma análise publicada no New England Journal of Medicine (2022) com mais de 10 milhões de adolescentes e jovens adultos não encontrou aumento na mortalidade após vacinação. Dados do Reino Unido e da Escandinávia mostram que as taxas de mortalidade por todas as causas em jovens permaneceram estáveis ou diminuíram durante a campanha de vacinação, em parte devido à proteção contra óbitos por covid-19.
5.Benefício-Risco: Para jovens, o risco de complicações graves da covid (como hospitalização ou morte) é maior do que o risco de eventos adversos graves da vacina. Isso é particularmente relevante em contextos de alta circulação viral.
A enquete do ‘conselho de cloroquina‘
O Ministério Público Federal inclusive investiga enquete, porque pesquisa não é, que questiona a obrigatoriedade da vacinação de crianças contra a covid e o direito de pais recusarem a imunização, distribuída em 2024 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) – cuja agenda aliada ao bolsonarismo entendo fez por merecer a alcunha de Conselho Federal da Cloroquina.
O MPF apura se a consulta não apenas desrespeita a ciência, mas também ignora decisões judiciais e coloca vidas em risco.
As quatro perguntas da enquete revelam um viés claro:
Perguntas 1 e 2: Ao indagar quantos médicos atendem crianças com covid, o CFM sugere que a baixa incidência justificaria a desnecessidade da vacina. Ignora-se, porém, que o propósito da vacinação é preventivo. Dados parciais de atendimentos não refletem o risco real da doença, que pode levar a complicações graves (como síndrome inflamatória multissistêmica) e mortes, mesmo em casos aparentemente leves. Além disso, a subnotificação de casos pediátricos é um problema conhecido, tornando a abordagem do CFM ainda mais irresponsável.
Pergunta 3: Questionar se a vacinação deve ser obrigatória é um absurdo frente à legislação. Desde 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou que a obrigatoriedade de vacinas incluídas no calendário nacional é constitucional, desde que respaldada por consenso científico. A vacina pediátrica contra covid atende a todos os critérios: foi aprovada pela Anvisa, integra o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e tem eficácia comprovada. O CFM, ao colocar isso em debate, abre espaço para que opiniões pessoais de médicos – alguns antivacina – se sobreponham à lei.
Pergunta 4: A sugestão de que pais teriam “direito” de recusar a vacina após “esclarecimentos” é uma armadilha. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro: a saúde infantil é um direito inegociável, e a negligência vacinal pode resultar em responsabilização legal. A pergunta pressupõe que há legitimidade em médicos apresentarem “riscos” fictícios da vacina, o que abre brecha para desinformação.
A resposta das principais entidades médicas e científicas foi imediata e contundente.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) classificou a enquete como “negacionismo”, lembrando que “ciência não se decide por voto”; as sociedades brasileiras de Infectologia (SBI) e Pediatria (SBP) criticaram a falta de metodologia científica e destacaram que a vacinação reduz hospitalizações e complicações em crianças e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) alertou que equiparar “crenças à ciência” gera insegurança e afasta a população das vacinas.
Não é a primeira vez que o CFM flerta com o obscurantismo. Durante a pandemia, a entidade se omitiu diante da promoção da cloroquina – tratamento ineficaz e perigoso – e agora repete o script ao questionar vacinas.
A enquete do CFM não é ingênua: é um ato político que mina a confiança em vacinas e coloca crianças em risco.
Na Gravataí das mais de mil vidas perdidas
Ao fim, nos cinco anos completos em março de 2025, a covid já matou mais de 700 mil brasileiros – 1.124 em Gravataí. Inegável é que a vacinação reduziu drasticamente mortes e hospitalizações, inclusive em crianças.
A estimativa é de que as vacinas evitaram 19,8 milhões de mortes globalmente. Pessoas não vacinadas tinham 20 vezes mais risco de morrer por covid comparadas às que receberam reforço. Isso implica uma redução relativa de 95% no risco de morte.
Dr. Levi vacinou contra covid. Fez post público, até. Porém, assim como critiquei quando sugeriu o ‘kit cloroquina’ no hospital de campanha de Gravataí durante a pandemia, considero erra mais uma vez ao permitir uma polêmica sem evidências robustas, ou alicerce nos órgãos oficiais da saúde nacional e mundial, que só faz alimentar movimentos antivax e tem potencial para aterrorizar as famílias.
Em seu consultório médico, até vá lá. Como vice-prefeito, é perigoso.
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