opinião

Farda não garante santidade; promoção, talvez

Print de promoção de filho de Mourão 9 dias após posse do pai, para cargo sem necessidade de ponto eletrônico

Nem ia comentar, por desnecessário, já que é um caso que, tanto quanto o Queiróz sambando na cara dos brasileiros, incomoda até o Milton Veneroso e o Pablo Hernandez, nos grupos de redes sociais da região, e em artigos do Seguinte:, dois dos mais conhecidos comentaristas antipetistas e entusiastas da eleição de Jair Bolsonaro. Acontece que localizei em meu WhatsApp mensagem não lida enviada por Carlos Panni, que me levou a tratar do caso Mourão-Mourinho.

O médico de Cachoeirinha, militar, bolsonarista e que ganhou um monte de curtidas em post onde o jornalista André Boeira lançou-o como candidato a prefeito em 2020 pelo PSL, compartilhou comigo a mensagem “Milagre em Brasília”. Listava feitos de José Antonio Reguffe (PDT-DF), proporcionalmente o deputado federal mais bem votado do país, que estreia em Brasília abrindo mão dos salários extras (sim, além do 13º os congressistas ganham 13º, 14º e 15º); reduzindo assessores de 25 para 9; baixando o ‘cotão’ – a verba interna de gabinete para fazer o que quiser – de R$ 23 mil para R$ 4,6 mil e deixando de receber verba indenizatória de passagens aéreas e auxílio-moradia.

Para se ter uma ideia, sozinho vai economizar R$ 2,3 milhões nos quatro anos de mandato. Não dá uma ponte do Parque dos Anjos, orçada em R$ 5 milhões, mas se os 512 parlamentares fizessem o mesmo, a economia chegaria a R$ 1 bi, o que representaria todo investimento em segurança no Rio Grande do Sul entre 2017 e 2018.

– O deputado Reguffe é filho de um oficial da Marinha, o almirante Luiz Paulo Aguiar Reguffe, já falecido. Ainda há esperança neste país – complementou Panni, pelo Whats, saudando a família militar do deputado.

Curioso é que o médico militar distribuiu a mensagem, certamente também para outras pessoas, poucas horas antes de estourar a polêmica envolvendo a promoção no Banco do Brasil de Mourinho, filho do vice-presidente da República, Hamilton Mourão.

É por isso que, nesse clima de neo-ame-o-ou-deixe-o, acredito que vale comentário.

Antonio Hamilton Rossell Mourão foi promovido ao cargo de assessor especial da presidência do BB. Funcionário de carreira do banco, triplicou o seu salário decorridos somente dez dias de mandato de seu pai. Saltou de uma remuneração de R$ 12 mil, como assessor da diretoria de agronegócios, para um salário agora de R$ 36,3 mil. O filho do vice-presidente tem 19 anos de banco. Hamilton Mourão justificou que ele era perseguido nas gestões petistas e que só agora seu mérito está sendo reconhecido. Uma meia-verdade, que os fatos, os chatos que atrapalham argumentos mostram ser aquela metade mais próxima da mentira, já que o rebento foi promovido oito vezes nas gestões passadas – como revelou o insuspeito Antagonista.

A promoção não é nepotismo e nem ilegal, mas obviamente imoral. Imagine-se lendo a notícia de que o próximo prefeito de Gravataí assumiu e, uma semana depois, assinou a nomeação do filho do vice para um dos cargos mais altos no Ipag, o instituto de previdência do funcionalismo. Mesmo que fosse funcionário de carreira, duvido que não sofreria críticas até da Lucinara Santos Machado, ou do Roger Dias, nos grupos do Face e nos comentários em artigos do Seguinte: dois também notórios antipetistas e eleitores de Bolsonaro.

O fanatismo no Grande Tribunal das Redes Sociais pode ser ilustrado com a ‘teoria da ferradura’ – aquela que aproxima os extremos mais do que ao centro. É um GreNal, uma sala de aula. A diferença é que os ‘petralhas’, pelo tempo apanhando, já cursam o doutorado, enquanto os ‘bolsominions’ recém estão no ensino médio, mas talvez não passem disso por já estarem ligeirinho atirando fora o moralismo da campanha eleitoral e defendendo, por vezes, o indefensável – com raras exceções.

O PT pagou caro por se apresentar como ‘o bem contra o mal’. Lula está preso em sua solitária em Curitiba, o partido não governa o país há mais de dois anos e a presidente Gleisi pirou, foi à posse de Maduro na Venezuela e muitos não queriam que voltasse. A moda agora são os bolsonaristas, que além de tomar Deus para si, descrevem-se como o ‘cidadão de bem’, na Guerra Ideologica Nacional contra os comedores de criancinhas e destruidores da família – mesmo que o comunismo nunca tenha saído de seu túmulo milenar e aportado nesse Brasil que nunca passou da porteira da Casa Grande e Senzala.

Mas, vamos aonde quero chegar. Não é flauta, é um alerta:

Ao fim – mais do que o presidente indicando amigo para cargo; mais do que a primeira-dama nomeando amiga para cargo; mais do que velhos políticos e vigaristas se aproxindo do governo e mostrando que #MamataAcabouSQN; ou mais do que o herói Sérgio Moro perdoando ou silenciando frente a indícios de corrupção, da mesma forma que não fez mais jejum o seu Robin, Deltan Dallagnol – o pior dos primeiros dias, pelo menos para a moral da tropa, a que clama por coturnos e, principalmente, com fanatismo defende até torturador (o que contamina os militares do bem), é esse escândalo envolvendo um alto general, como Mourão.

Daqui a pouco vai ter ‘cidadão de bem’ dando ao filho aquele conselho-chiste de 81, do Millôr:

– Corrompa-se enquanto ainda é bem jovem. Senão vai se arrepender, como eu, que já perdi a oportunidade. Hoje teria que aguentar todo mundo comentando: “Mas até o Millôr!”.

“Mas até o Mourão?!?”, alguém, provavelmente, já disse.

Políticos, militares, jornalistas, você, todos são seres humanos, não deuses infalíveis e incorruptíveis, ou então demônios desenganados. Guilherme de Pádua, aquele do assassinato a tesouradas da atriz Daniela Perez, é hoje pastor evangélico. A farda falha também – e muito, em um mundo civil. Por que se atirar na frente da bala por quem não conhece ou defender algo sobre o qual não tens informações precisas? Não seja um 'fake readers', aquelas pessoas com tendência a acreditar em qualquer fakenews ou promessa, sem duvidar ou questionar. Conforme pesquisa Ipsos Mori, publicada pelo jornal britânico Daily Telegraph, os brasileiros e seu Grande Tribunal das Redes Sociais lideram o ranking dos endeusadores, com 62%.

E viva a liberdade de culto aos políticos! 

 

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