Nada a ver com lado na ferradura ideológica, e ser a favor ou contra privatização, mas a adesão de Gravataí à provável venda da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) não é uma certeza. O prefeito Luiz Zaffalon (MDB) contratou um escritório de advocacia para avaliar a participação da Prefeitura na privatização da estatal.
Até a criação de uma empresa pública de água e esgoto, em parceria com Cachoeirinha, está entre as possibilidades para tentar tirar o município do rodapé do saneamento.
A ‘pauta-bomba’ é que, se o sistema integrado Gravataí-Cachoeirinha escorrer dessa ‘mina de água’, será um desastre para o negócio que é obsessão do governador – e o fez reconhecer até que ‘mudou a verdade’ que cometeu durante a campanha eleitoral, quando garantiu que a estatal não seria vendida.
É um negócio que pode até ser bom eleitoralmente para Eduardo Leite (PSDB), mas fará sumir R$ 4 bilhões do investimento direto em saneamento.
Explico a conta gotas.
Zaffa garante ter a segurança de que a parceria público-privada (PPP) de R$ 1,77 bilhão assinada no governo Marco Alba (MDB), com investimentos já em curso na região, não pode ser desfeita pela privatização.
– A PPP se tornará uma parceria ‘privada-privada’ – explica, considerando inevitável a venda devido à legislação “claramente privatista” aprovada em 2020 no novo marco regulatório do saneamento, que obriga estados a, até 31 de dezembro de 2033, terem água universalizada e esgoto para 90% da população.
– Para todo Rio Grande do Sul seria preciso R$ 10 bilhões. O que a Corsan não tem.
A PPP firmada com o consórcio Ambiental Metrosul, que pertence ao Grupo Aegea Saneamento, cobre ‘apenas’ a Região Metropolitana, mas que é onde jorra o dinheiro.
Com o chamado subsídio cruzado, os contratos com as 9 prefeituras (Gravataí, Cachoeirinha, Alvorada, Canoas, Eldorado do Sul, Esteio, Guaíba, Sapucaia do Sul e Viamão), que correspondem a 1,5 milhão de habitantes, sustentam municípios menores do RS que não tem sistemas próprios, como Porto Alegre, Caxias e Novo Hamburgo.
É o tamanho de Gravataí, a segunda em população e contribuintes na PPP, que faz com que Zaffa tenha contratado um escritório especializado na área para rediscutir o contrato.
No atual formato a Corsan concedeu a operação para a iniciativa privada, mas é como se fosse o ‘CEO’ da PPP, tendo o parceiro privado e prefeituras com ‘sócios’ no conselho gestor, quem hoje tem como representantes de Gravataí o prefeito e o secretário de Obras Paulão Martins.
Salvo engano, com a privatização as empresas negociariam diretamente entre si. Às prefeituras caberia recorrer à justiça caso as tarifas explodissem ou os serviços não fossem prestados.
– Temos até 31 de março de 2022 para decidir. Imagina que baita empresa seria Gravataí e Cachoeirinha, que tem o sistema integrado? – instiga Zaffa, com a experiência de gestor da Corsan no governo Yeda Crusius, quando mexeu com R$ 4 bilhões em investimentos do PAC do Saneamento.
Fato é que a privatização ainda é um negócio-tabu, onde reputo certezas corresponderiam aos 14% de cobertura de saneamento em Gravataí, e dúvidas jorram como os 50% de água perdida em relação à produzida pela Corsan.
Segundo a Associação dos Engenheiros da Corsan (AECO) o Estado abrirá mão de R$ 4 bilhões em investimentos diretos no saneamento com a privatização.
Conforme estudo enviado ao Seguinte:, o valor estimado com a venda da estatal poderia ser captado no mercado por meio de PPPs e investido diretamente no tratamento de esgoto. Com a privatização é uma dinheiroduto que pode ser torrado no caixa único do Estado para pagar dívidas e folha salarial.
– O que o governo quer fazer é caixa com uma empresa que dá retorno para o Estado, bem diferente da CEEE. Além disso, vai deixar municípios menores desassistidos na área de abastecimento de água e tratamento de esgoto. Depois, esses municípios que não são atrativos financeiramente para a iniciativa privada ficarão como? – questiona o diretor da AECO, Eduardo Carvalho.
Conforme dados da AECO, a Corsan apresenta um lucro líquido em torno de R$ 300 milhões por ano, dos quais 25% vão para o caixa do RS, cerca de R$ 70 milhões por ano.
– O Governo não está pensando no longo prazo. Está pensando somente em um espaço de tempo de quatro anos e com viés eleitoreiro. Quer difundir uma marca privatista e de modernidade. Todavia, no caso do saneamento, a conta simplesmente não fecha – alerta.
A conta a que se refere o dirigente leva em consideração que apenas 70 municípios são viáveis economicamente para uma Corsan privada. Isto é, são cidades que possuem consumidores suficientes para suportar uma tarifa adequada e garantir a taxa de retorno para o investimento. Assim, mais de 250 municípios poderão ficar sem atendimento de saneamento caso a Corsan seja privatizada, pois simplesmente não é viável economicamente diante do investimento necessário.
– Corremos o risco de a Corsan ser privatizada, perder os R$ 4 bilhões que podem ser captados por PPPs, e depois o Estado ter criar outra estatal só para atender esses municípios que ficaram sem o saneamento. Aí sim ficará ainda pior – diz Carvalho, da AECO, que lembra ter sido o ocorrido no Tocantins, onde os 40 maiores municípios estão com a empresa privada e os demais, que não são rentáveis economicamente, voltaram a demandar o estado no saneamento.
A Corsan, atualmente, atende dois terços dos municípios do Rio Grande do Sul, totalizando 317 cidades. Desses, pouco mais de 20% geram retorno financeiro e, por isso, através do subsídio cruzado concentrado na Corsan (pública) sustentam o serviço de saneamento em cidades menores.
Sem Porto Alegre, Gravataí e Cachoeirinha – caso Zaffa e Miki Breier resolvam gerir sua própria água e esgoto – a privatização pode dar o selo de ‘liberal do ano’ para Eduardo Leite, e fechar as contas gaúchas do dia para a noite, mas em longo prazo vender ouro e deixar como herança os tolos.
Alguém vai ter que levar água e esgoto para Ipiranga do Sul, não só para a gigante Canoas.
Ao fim, se boa parte da Assembleia Legislativa está, politicamente falando, ‘no bolso’ do governador, a deputada de Gravataí Patrícia Alba está atenta à ‘pauta-bomba’ sem compromisso com o governo. Com um olho na aldeia, outro no estado.
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