Imperdível, necessário e emocionante o depoimento em vídeo de Gustavo Carvalho da Silva, coordenador do programa Mais Médicos de Gravataí.
Altruisticamente, o médico expõe problemas de saúde que desde a semana passada o impedem de estar na linha de frente do enfrentamento a Covid-19.
– Estou falando em nome do grupo de risco – diz o médico de 37 anos, diagnosticado em 2014 com leucemia.
Com voz embargada, e com as lágrimas interrompendo por vezes sua fala, o profissional, queridíssimo na equipe da UBS da Vera Cruz, faz um apelo para as pessoas respeitarem a ‘quarentena’ o máximo que suas condições permitirem.
– Pessoal, vamos falar sério agora. Foi muito difícil fazer esse vídeo, porque tenho que expor publicamente meus problemas de saúde. Mas acredito que isso pode salvar muitas vidas. Então você tem duas opções: continuar assistindo o vídeo, e ajudar a me salvar; ou sair do vídeo e ajudar a me matar – desabafa o profissional que também atende no Conceição, como que sugerindo uma ‘Escolha de Sofia’ semelhante a que médicos italianos estão tendo que fazer, ao decidir quem respira ou quem se afoga, quem vive ou quem morre.
Assista ao vídeo, e sinta suas lágrimas se irmanarem com as do Gustavo, impedido pela primeira vez em uma década de carreira a ter contato com pacientes e exercer sua vocação.
Ao fim, comento.
Analiso.
Abalado com o vídeo, fui fazer algo que não recomendo a ninguém, ainda mais em tempos de crise do coronavírus: fumar um cigarro na porta de casa. Passava um Sogil, Porto Alegre-Gravataí. Havia dois passageiros apenas. No primeiro banco, um era idoso. Bem idoso. Grupo de risco, como Gustavo.
Assusto-me que, enquanto para muitos a ‘quarentena’ parece um feriadão entre o Natal e o Ano Novo, as projeções são catastróficas se a estratégia do ‘fique em casa’ e ‘fecha tudo’ não funcionar, como já tratei em artigos como São urgentes decretos ’fecha tudo’ em Gravataí e Cachoeirinha; sem ’quarentena’, pior cenário precisaria 8 mil leitos de UTI.
A China não tinha esse número de leitos, nem os EUA os tem; muito menos a Itália.
Gravataí não tem nenhuma confirmação de Covid-19, ainda. Mas é questão de horas, talvez. Já há casos positivos em municípios vizinhos ou próximos, como Porto Alegre, Viamão, Alvorada e Canoas. O Rio Grande do Sul atingiu 71 casos no sábado em que se projetava 50.
Na reportagem A crença em exagero do coronavírus devastou a Itália, o Blog da Cidadania apresenta pesquisa realizada pelo instituto francês Ipsos que mostra que, no intervalo de um mês, a percepção dos italianos sobre as consequências do coronavírus mudou completamente.
Perguntados sobre qual o nível de ameaça que a doença lhes apresenta pessoalmente, só 11% disseram que era muito alto no início de fevereiro. Cinco semanas depois, o número havia saltado para 48%.
Em relação ao risco oferecido pelo vírus ao país, o percentual dos italianos que acreditam no poder apocalíptico do vírus saltou de 26% para 84% no período avaliado.
Sobre o ‘contágio econômico’, 63% acreditam que há alto risco de ameaça ao emprego ou negócio próprio, contra 25% no início da pesquisa divulgada hoje pela Ipsos.
O custo disso são três voos como aquele da TAM Porto Alegre-Guarulhos caindo por dia, sem sobreviventes.
Agora é a parte em que teclados vão metralhar ‘c-o-m-u-m-i-s-t-a’ no Grande Tribunal das Redes Sociais: o Martinelli vai falar de novo no ‘mito’!
Inevitável. Faço análise política, jornalismo editorial, e esse irresponsável é o Presidente da República.
– Há muita concorrência, mas o líder mais ineficaz do mundo quanto à resposta ao coronavírus é, neste momento, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. Neste fim de semana, ele está detonando os governadores que tomaram medidas de bloqueio. Danificará seriamente seu mandato – resumiu neste domingo Ian Bremmer, fundador e presidente do Eurasia Group, uma das mais importantes consultorias do mundo sobre risco político.
Com escritórios em Nova York, Washington DC, Londres, Tóquio, São Francisco, Singapura, Brasília e São Paulo, suas pesquisas e análises são usadas pelos mercados para definir investimentos. Ou seja, Bolsonaro é visto como um risco para quem aconselha os donos do dinheiro.
O homem da casa 58 outra vez minimizou a crise do coronavírus, e parece mais preocupado com seu capital eleitoral:
– Espero que não venham me culpar lá na frente pela quantidade de milhões e milhões de desempregados na minha pessoa – disse, à TV Record.
– Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nesta questão do coronavírus.
Cruel, criminoso. É um desinformado, ou um informado do mal?
Alguém pode contestar que um discurso desses, em TV aberta, numa rede popular, não induz o idoso aquele do Sogil a considerar a ‘quarentena’ coisa de ‘lunático’ e sair para a rua?
Ao fim, recomendo neste momento de incerteza a ouvir os políticos, mas confiar nos profissionais de saúde. Fiquemos com a mensagem dolorida, mas cheia de amor, que o Gustavo, o médico que trabalha na periferia da aldeia, compartilha com o mundo:
– Se parece exagerado, é a hora certa; se parece a hora certa, já é tarde.
Este sim é um vídeo para compartilhar.
E FIQUE EM CASA!!!
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