Estreia tendo que se explicar o ‘representante’ em Brasília da Cachoeirinha órfã de um representante local desde que José Stédile (PSB) não conseguiu a reeleição em 2018. Nereu Crispim (PSL) se tornou réu em ação de impugnação de mandato eletivo (Aime) que tramita no Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Conforme reportagem de GaúchaZH, o caso transcorre em sigilo, mas versa sobre suposto abuso de poder econômico, omissão de receitas e despesas na campanha e captação ilícita de votos.
Vamos às informações e depois contextualizo, já que o deputado federal eleito pelo partido de Jair Bolsonaro tem relações regionais, que explico, e inclusive será, ou seria, homenageado por vereadores.
Em resumo, uma das suspeitas em apuração é de que Crispim, empresário da Região Metropolitana, tenha usado contas bancárias de laranjas para distribuir recursos a pelo menos um candidato a deputado estadual do PSL com quem fez dobradinha, o que poderia configurar esquema de caixa 2.
Siga a reportagem Deputado do PSL do RS vira réu por suspeitas de caixa 2, de Carlos Rollsing, jornalista da RBS, e depois comento:
“(…)
A ação foi protocolada no dia 7 de janeiro de 2019 por Marco Marchand (PSL), colega de partido de Crispim e segundo suplente de deputado federal da coligação. Ao fazer a análise prévia dos documentos juntados, o TRE deu andamento à ação e Crispim se tornou réu. O relator do caso é o desembargador eleitoral João Batista Pinto Silveira.
Parte da peça se baseia em extratos de depósitos e pedidos de quebra de sigilo bancário e telemático (permite visualização de mensagens por aplicativos de telefone). Mas também há confissões por escrito.
O imbróglio ganhou impulso a partir de registros feitos pelo sargento reformado Julio Cesar Doze (PSL), candidato a deputado estadual não eleito. Crispim e Doze fizeram acordo de dobradinha – quando dois candidatos a cargos diferentes se auxiliam na busca por votos. É permitido que um dos postulantes apoie o outro com transferência de recursos e impressão de material de campanha, por exemplo, desde que tudo seja registrado e feito de acordo com a lei. Não foi o que teria acontecido na parceria entre Crispim e Doze.
No início de dezembro, foi criado um grupo de WhatsApp com o nome "Deputados não eleitos PSL". O objetivo seria a "troca de informações". Em 12 de dezembro de 2018, um dia depois de ser adicionado ao grupo, Doze, com atuação em Santana do Livramento, escreveu uma longa carta: "Fato é que recebi recursos, tenho todos os comprovantes de depósitos e transferências, tudo caixa 2. (…). Vou expor tudo isso, não vou ficar nesse calote eleitoral", escreveu Doze, que também reclama de ter contraído dívidas por não ter recebido todas as verbas supostamente prometidas a ele. Em contato com a reportagem, Doze confirmou a autenticidade da mensagem. Nesta manifestação, ele não escreveu o nome de Crispim.
Isso mudou em 20 de dezembro de 2018, quando o sargento foi ao 4º Tabelionato de Pelotas para reconhecer sua assinatura em uma declaração por escrito de seis páginas – atualmente, Doze contesta as informações que ele mesmo escreveu. No texto, ele relata que Crispim lhe prometeu investimento de R$ 33 mil na campanha. O deputado federal teria passado menos dinheiro do que o prometido e, quando fazia os depósitos, não utilizava a conta oficial de campanha de Doze, conforme manda a lei.
Ele explicou na carta: “No dia 21 de agosto de 2018, passei os dados bancários de minha conta oficial de campanha, via WhatsApp. Dois dias após, o senhor Nereu solicitou uma conta extraoficial, pois segundo ele seria para pequenas despesas sem importância e sem nota. (…) No dia 24 de agosto eu consultei minha conta oficial de campanha, tendo notado que não havia qualquer depósito. Neste momento, entrei em contato com o candidato Nereu Crispim reclamando a inexistência de depósito na conta oficial de campanha. O senhor Nereu respondeu com a fotografia de um depósito realizado na conta do senhor Anderson Torres, momento em que iniciaram os crimes eleitorais”.
A reportagem fez contato com Torres. Ele disse que é amigo pessoal de Doze. Torres comentou que costuma emprestar, em diversas situações, sua conta na Caixa para que remessas de dinheiro sejam feitas a Doze por familiares. Torres ainda confirmou que recebeu depósitos durante a campanha e que entregou os recursos a Doze. Disse, no entanto, desconhecer a origem do dinheiro.
– Eram operações feitas em lotérica. Só aparece o valor – disse Torres, que informou ter repassado “na base de R$ 7 e R$ 8 mil” a Doze entre agosto e novembro.
Na sequência da declaração, Doze conta que encontrou Crispim em um hotel em Canoas, em 5 de setembro, ocasião em que diz ter recebido R$ 1 mil em dinheiro. Seis dias depois, houve um depósito de R$ 1,5 mil na conta de Torres, relata. Ele detalhou outras quatro remessas feitas por Crispim que caíram na conta de Torres entre 14 e 24 de setembro, em valores que variaram entre R$ 500 e R$ 2,5 mil.
“No dia 22 de setembro, foi solicitada uma série de contas bancárias de terceiros (laranjas) para que fossem depositadas as quantias para auxílio financeiro na campanha. (…) Trata-se apenas de pessoas contratadas para colaborar na campanha e que não tinham acesso à negociação por fora entre eu e Nereu Crispim”, descreveu Doze.
Depois de fazer as declarações que embasaram a abertura de ação que pode culminar em cassação de mandato, Doze se reaproximou de Crispim. Ele confirma que, recentemente, esteve em Brasília e visitou o gabinete do deputado, com quem fez um vídeo para postar nas redes sociais. O sargento nega que tenha sido contratado para trabalhar na Câmara pelo colega de PSL. Doze diz que foi coagido por homens armados dentro do cartório a assinar a carta de seis páginas em que faz as denúncias de caixa 2 e uso de laranjas contra Crispim. Ele afirma que ex-dirigentes e suplentes de deputado do PSL atuam nos bastidores para prejudicar Crispim.
O caso na justiça eleitoral
A ação pede a impugnação do mandato de Nereu Crispim. Isso significa que, caso existam evidências suficientes, os desembargadores do TRE poderão cassar o mandato dele ao final do caso.
A Aime se baseia na suposta infração ao artigo 350 do Código Eleitoral: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”.
Também baseia a ação a acusação de abuso do poder econômico, prática que é vedada pelo Código Eleitoral e pela Leia Eleitoral.
Caso o TRE entenda que não há indícios suficientes, pode votar pela absolvição de Crispim.
Após a decisão do TRE, poderá haver recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Contraponto
Procurado por GaúchaZH, Crispim pediu, neste domingo (24), que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Ele não respondeu até as 21h20min.
Já na segunda-feira (25), o deputado publicou nota em seu site em que afirma estar "plenamente tranquilo e disponível pra prestar contas à Justiça, à imprensa e, especialmente, aos meus eleitores". No texto, Crispim diz ser "vítima de uma atitude desonesta e desleal de um colega do meu próprio partido que ficou como suplente e deseja tomar meu mandato sob qualquer custo".
Confira a íntegra da nota do deputado federal Nereu Crispim:
"Sobre a reportagem publicada pelo portal GaúchaZH na noite deste domingo (24), que noticia o fato de ter me tornado réu por suspeitas de caixa dois, afirmo que estou plenamente tranquilo e disponível pra prestar contas à Justiça, à imprensa e, especialmente, aos meus eleitores.
Lamentavelmente, estou sendo vítima de uma atitude desonesta e desleal de um colega do meu próprio partido que ficou como suplente e deseja tomar meu mandato sob qualquer custo. Esclareço que a declaração não foi feita pelo Sargento Doze. Ele apenas assinou sob coação, assédio e extorsão de um grupo de marginais travestidos na figura de políticos.
O próprio Sargento Doze procurou a executiva estadual do partido para comunicar o ocorrido e manifestar a preocupação quanto à sua segurança. Inclusive, tenho documentos que provam que não fiz doação de campanha e serão devidamente usados em minha defesa.
Medidas judiciais serão adotadas contra as pessoas que forjaram essa declaração para tentarem me prejudicar.
Ratifico que não sou político. Estou político como fruto da democracia para trabalhar por mudanças em nosso país através de um movimento de renovação que se faz urgente e necessário. Nunca havia ocupado cargo público e sequer tinha participado de outro pleito eleitoral. Sou um empreendedor e construí minha carreira através do meu trabalho duro e honesto desempenhado ao longo de toda minha vida. Não preciso de privilégios e nunca fui encantado pela sede do poder. Pelo contrário: quando a violência atingiu minha casa e meus negócios, resolvi aceitar o desafio de ingressar neste mundo da política por revolta contra o sistema corrupto e ineficiente que há anos trava o nosso país e, também, por não me sentir representado pelos políticos tradicionais.
Minha campanha foi completamente limpa, ética e econômica. Não utilizamos recursos públicos nem verba partidária. Reafirmo minha serenidade, absoluta inocência e total disponibilidade para quaisquer esclarecimentos.
Sigo meu trabalho parlamentar focado na produtividade e transparência, com integral prestação de contas através das redes sociais".
(…)"
Comento.
A primeira ‘aparição’ de Crispim na região foi em Gravataí, logo após a eleição, na casa do advogado Cláudio Ávila, um Roger Stone dos bastidores da política local. Analisei o inusitado encontro do ex-vice de Daniel Bordignon (PDT) com o ‘Nereu do Bolsonaro’ nos artigos A guerra de coturnos pelo comando do PSL de Gravataí; é a nova joia da coroa e O oportunismo de Cláudio Ávila; e os outros.
Ao que parece, a aproximação daquele que foi um dos principais colaboradores da campanha do ex-petista Dimas Costa (PSD), mais votado em Gravataí em 2018 e candidatíssimo a prefeito em 2020, com uma das novas estrelas do bolsonarismo, ou ficou restrito às cancelas da Paragem Verdes Campos, ou fez areia.
Em janeiro, em Entrevista com Miki; governo, política, Stédile, Leite, Bolsonaro e a vida pessoal, publicada peloSeguinte:, o prefeito Miki Breier (PSB) citou Nereu como ‘representante’ de Cachoeirinha em Brasília, por ter negócios, parentes e ter se colocado à disposição do município.
Nas férias de Miki, Crispim foi recebido no gabinete do prefeito pelo presidente da Câmara, Fernando Medeiros (PDT), interino no cargo. Escrevi, no ao artigo Esquerdistas e bolsonaristas sorriem; Brizola samba no túmulo:
“(…)
Na semana do aniversário de Brizola, agora foi vez de Fernando Medeiros aprontar uma que – acredito, eu, pelo menos – faria o lendário político sambar no túmulo, como colegas de partido tem se especializado em fazer aqui na região.
Alguém sabe traduzir o que virou o PDT, hein, Paulinho Showza, fiel escudeiro do falecido ex-prefeito de Gravataí José Mota?
Difícil não dar razão aos que descrevem o partido como matéria escura, impalpável e indescritível no universo da política e das ideologias, tanto defendidas por Atagiba, ou desdenham dele como um puxadinho que abarcou petistas como Daniel Bordignon – para ficar na maior figura da região, assumidamente de esquerda, pelo menos nas últimas duas décadas.
Aonde quero chegar:
Fernando Medeiros, o pedetista presidente da Câmara de Cachoeirinha, que nesta semana como prefeito interino soube como ninguém aparecer no site oficial da Prefeitura e nas redes sociais, recebendo gente capaz de tudo ou de nada, saiu com esta:
– Caros, hoje pela manhã convidei o deputado federal eleito Nereu Crispim do PSL de Bolsonaro para um cafezinho aqui no Gabinete. Na oportunidade parabenizei-o pela vitória nas urnas e coloquei a disposição para construção de uma relação institucional harmoniosa entre a Câmara de vereadores e a Câmara dos Deputados. Convidei-o para ser um de nossos indicados a cidadão honorário em 2019 na Câmara.
Estava ao lado de Juliano Paz (PSB), número 1 do prefeito Miki Breier.
Perfeita a pose de Fernando como estadista, ao estabelecer boas relações com o deputado que tem domicílio eleitoral em Canoas, mas parentes e negócios tipo areia em Cachoeirinha. Agora, homenageá-lo como cidadão honorário da cidade? Não que Crispim não mereça – eu poderia até listar feitos de Crispim, caso conseguisse entrevistá-lo, o que o Seguinte: tenta desde que em dezembro o prefeito socialista Miki Breier o citou como um interlocutor em Brasília; mas a assessoria do homem o blinda mais que, certamente, a escolta do Jean Wyllys.
O caso é que Crispim fez a campanha como ‘Nereu do Bolsonaro’. É, Bolsonaro é aquele, o ‘mito’, que Ciro Gomes, aos esquecidos, candidatos do PDT à presidência da República, chamou de tudo e mais um pouco – fascista foi emoji!
Não bastasse isso, Nereu encarna o bolsonarismo em algumas de suas piores coisas, que é dar amplitude a, para os modernos, ‘fakenews’, para os acadêmicos, ‘estelionato histórico’, e para quem quer falar mais claramente sobre isso num bar nesta noite de sexta, ‘mentiras’.
Nereu reproduziu entrevista de Bolsonaro para a RAI, maior veículo de comunicação da Itália, uma mistura Berlusconizada de Globo com SBT, onde o presidente brasileiro mente ao envolver a ex-presidente Dilma Rousseff no atentado que matou “um soldado” – se o militar de pijamas esqueceu, o nome do menino de 18 anos explodido por uma bomba era Mario Kozel Filho.
Dilma não teve nada a ver com isso. Mas não vou contar essa história, porque não é preciso ter uma enciclopédia Barsa, como era regra entre os ricos de ontem. Hoje o pobre pode googlear.
Infelizmente, começo a pensar que caçar-cliques e agradar aos sete a cada dez eleitores de Cachoeirinha que votaram em Bolsonaro parece importar mais do que manter viva uma história verdadeira do país e honrar a memória de um de seus heróis, Leonel de Moura Brizola.
Como o ‘caudilho’, como jornalistas da Globo gostavam de chamá-lo, já engoliu sapos barbudos, como Lula, ninguém pode dizer que Brizola não estaria hoje apoiando Bolsonaro, como já apoiou Collor.
Mas fica feio um pedetista oferecer título de cidadão para um político eleito com a alcunha de ‘Nereu Bolsonaro’.
Mas, vamos lá, Millôr já dizia que cada ideologia tem a inquisição que merece.
(…)”
Ainda aguardando a entrevista com o parlamentar, resta-me observar que os políticos (curiosamente duas personagens que se apresentam como ‘não-políticos’) ligados ao PSL de Bolsonaro antes das boas, aparecem entre as más notícias para os leitores de Gravataí e Cachoeirinha – cidades onde o ‘mito’ fez sete em cada 10 votos.
Semana passada, a suspeita de envolvimento com caixa 2 recaiu sobre Carmem Flores, hoje desfiliada, mas candidata a senadora que tinha como suplente em 2018 o vereador de Gravataí Evandro Soares (DEM). Tratei do caso no artigo Evandro não precisa desculpas por ’senadora do Bolsonaro’.
Agora, é ‘Nereu do Bolsonaro’, que mesmo que a investigação não dê em nada, já enfrenta no Grande Tribunal das Redes Sociais os lacradores que perguntam se, comprovadas as denúncias, bastará pedir desculpas ao ex-juiz e hoje político Sérgio Moro, como no caso Onyx Lorenzoni.
Nos dois episódios, as denúncias não tem participação e nem foram amplificadas pela oposição: no caso de Carmem, os berros vieram de Bibo Nunes; no de Crispim, do Doze.
Ao fim, a experiência de ninguém do 13 está sendo necessária para desgastar os bolsonaristas e o discurso dos autointitulados representantes da 'nova política'.