Se o governo Marco Alba apresentar projeto à Câmara para extinção do Ipag Saúde, as escolas vão parar. O indicativo de greve foi aprovado por ampla maioria em uma das maiores assembléias realizada pela categoria nas três décadas de Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública Municipal de Gravataí (SPMG).
Por se tratar do plano de saúde que cobre 2,9 mil funcionários públicos na ativa, 1,5 mil servidores inativos e pensionistas, além de quase 4 mil dependentes, era notória também a presença de aposentados na manhã desta terça, num CTG Aldeia dos Anjos de salão lotado de gente e pátio cheio de carros.
– É um ataque ao que é uma de nossas maiores conquistas. São 22 anos de Ipag. Podemos superar essa crise. Infelizmente a greve parece única forma de sermos ouvidos por esse governo – desafiou a presidente do sindicato dos professores, Vitalina Gonçalves, sobre a ameaça do prefeito de retirar a contribuição patronal para o Ipag Saúde.
– Se o projeto for à Câmara, faremos como os trabalhadores da GM, que pararam a fábrica em Gravataí; como os municipários que fizeram uma greve de 60 dias em Cachoeirinha e como estão fazendo os servidores de Porto Alegre. Se o prefeito acha que vai só castigar as professorinhas, vai é prejudicar a educação, a saúde e a economia da cidade, porque R$ 18 milhões do Ipag são gastos em serviços de saúde local.
Vamos à narrativa que a presidente Vitalina Gonçalves apresentou sobre a crise no plano de saúde. Ao vivo, foi até mais suave do que a postagem no site do SPMG, que entre emojis de giroflex e exclamações, é titulada como Crise no IPAG Saúde é fraude, denunciam trabalhadores em educação.
Siga as informações da presidente durante a assembleia. Depois comento.
O Ipag foi criado em 96, com uma contribuição de 3% dos servidores e 3% da Prefeitura.
– Sem cálculo atuarial – lembrou, sobre a falta de uma estimativa de recursos necessários para manter o atendimento.
Em 2000, o conselho deliberativo do instituto – que tinha maioria de servidores – apresentou e o governo Daniel Bordignon aceitou uma proposta de aumento na contribuição para 4,5%, de forma paritária.
Em 2015, já no governo Marco Alba, foi criada a contribuição de 1% para dependentes, como filho e conjugue, e 3% para pais e irmãos.
– Novamente sem cálculo atuarial. Talvez tenham achado bonito 1%.
No mesmo ano, o governo transferiu a responsabilidade da contribuição patronal dos aposentados e pensionistas para o Ipag.
– Nos gera hoje uma despesa administrativa de R$ 4 milhões. Só tivemos perda receita, nenhum ganho, já que é ‘reajuste zero’ há quatro anos.
O governo também alterou a composição do conselho deliberativo e eliminou a necessidade de diretores pertencerem ao quadro de funcionários do município.
– Assim o prefeito garantiu maioria, porque a representação do legislativo é escolhida pela presidência, sempre governista – disse Vitalina, lembrando a exoneração da professora e sindicalista Irene Kirst da diretoria financeira, CC que ocupava desde a criação do instituto.
– A Irene desmascarou a farsa do déficit no Ipag Previdência e foi afastada.
Conforme a presidente, um cálculo atuarial produzido pela Lumens, empresa licitada pelo instituto, só foi apresentado em janeiro de 2018, apontando a necessidade de novo aporte de recursos para manter o Ipag Saúde vivo.
– É preciso destacar que o governo encomendou um cálculo que excluísse a Prefeitura de qualquer contribuição a mais.
Um dos cenários, o da preferência do governo, criava um escalonamento conforme idade, nos moldes de nove em cada 10 planos de saúde privados. O outro cenário aumentava linearmente em 1% as contribuições de servidores, aposentados, pensionistas e dependentes.
– Em assembléia a categoria avaliou que não suportaria o pagamento por faixa etária – explicou Vitalina, que citou as altas correções de planos em 2017 (16%) e 2018 (21%).
Usando o próprio exemplo, a professora calculou que paga mensalmente uma média de R$ 400 para o Ipag Saúde e, na tabela por faixa de idade sugerida pelo atuário, pagaria R$ 680 e mais R$ 400 por dependente.
– Não tenho dúvidas de que, se não mantermos o Ipag, vamos todos para a fila do SUS.
A sindicalista critica a gestão do instituto a partir da definição do novo cenário de contribuição que vale desde junho do ano passado.
– No auge da crise do Ipag os valores pagos a prestadores de serviço foram reajustados – apontou, citando entre 11% e 21%, “como exames de imagem”.
Conforme Vitalina, a direção do Ipag não tomou medidas, como o controle de gastos, uma escala de cirurgias e limitadores para que o uso do plano pelos servidores não ultrapassasse os limites de caixa.
– Em setembro percebemos que a conta não fecharia e não seriam honrados os compromissos de outubro, novembro e dezembro. Pedimos à direção do Ipag explicações que até hoje não recebemos, como o aumento de gastos de R$ 5 mil para 70 mil com serviços de saúde mental – exemplificou, citando um crescimento de R$ 2 milhões para R$ 3 milhões no gasto mensal geral do plano nos últimos dois meses do ano passado.
O governo enviou projeto à Câmara, que foi aprovado em fevereiro e sancionado pelo prefeito na quinta passada, permitindo o pagamento de dívidas de 2018.
– Por que a demora? O Ipag pagou os prestadores de serviço em janeiro e fevereiro, mas não sinalizou uma renegociação. Atendimentos começaram a ser suspensos – disse, citando o caso do Dom João Becker, único hospital de Gravataí, “que há 30 dias tinha dado um ultimato ao Ipag”.
Como porta-voz da direção do SPMG, Vitalina sustenta que “o prefeito tenta criar o caos para extinguir o Ipag Saúde”.
– São 10 mil vidas. O Ipag tem 22 anos. Estamos há quatro anos sem reajuste, com perdas de 16%. Não é justo o discurso do prefeito de que ‘300 mil habitantes pagam por 5 mil’. Nós prestamos serviços à população. Quem dá aula? Quem atende no posto de saúde? Quem vigia a escola? Plano de carreira, assistência em saúde e vale refeição são conquistas dos trabalhadores, não privilégios – discursou, comparando:
– Por essa lógica, somos todos a pagar pela GM.
Comento.
O governo opta pelo silêncio. Ainda não está confirmada reunião de sexta entre Prefeitura, Ipag e SPMG. Mas, pelo que apurei em off, a extinção do Ipag Saúde é inevitável. Nos artigos A pauta-bomba da assembleia do funcionalismo de Gravataí; Prefeitura deve colaborar ou não com plano de saúde, Santa Casa diz que acabou tolerância com dívida do Ipag; atendimento está suspenso, Hospital suspende Ipag; Santa Casa, não envergonhe as irmãs do Becker!, Suspensão de Ipag Saúde no Hospital; o início do fim, Ipag Saúde deve ser extinto e Gasto com Ipag dobrou em 5 anos; o vilão do funcionalismo em Gravataí antecipo o início do fim do plano de saúde dos servidores nos moldes que é hoje.
Os argumentos do prefeito são fortes. Não só os que cotejam as colunas de receita e despesa, mas também a narrativa política.
Na ‘ideologia dos números’: o Ipag Saúde fechou 2018 com uma dívida de R$ 6,5 milhões e projeta déficit igual neste ano. Custeando os restos a pagar do ano passado e mantendo em dia os serviços deste ano, o caixa esgota até a metade do ano. Mas, o principal: não há como o plano sustentar os serviços que oferece – e as dívidas que tem – do jeito que está. Precisaria um socorro da Prefeitura. Marco Alba não vai bancar. Poderia, jogando o problema para o próximo governo. Mas é teimoso.
Na ‘ideologia da política’: sem avaliar se a decisão popular seria boa ou ruim, arrisco dizer que caso fosse feito um plebiscito a maioria dos eleitores votaria pela Prefeitura não colaborar mais com o plano de saúde dos servidores.
Essa disputa de argumentos é o que se desenha em caso de greve.
Marco Alba tem sido hábil em trabalhar a lógica de que é injusto ‘300 mil habitantes pagarem por 5 mil funcionários’. Tem a seu favor os números do Ipag Previdência, que só neste ano, além da contribuição patronal de 14% sobre a folha de pagamento, e o parcelamento de uma dívida de R$ 120 milhões, recebe da Prefeitura R$ 2,2 milhões em alíquota complementar para cobrir o déficit atuarial bilionário e garantir as aposentadorias pelos próximos 15 anos. É uma percentual de 18% sobre a folha que, em 2035, chegará aos 72% caso as regras previdenciárias não seja alteradas nacionalmente.
Em tempos onde, pelo menos no Grande Tribunal das Redes Sociais, a simpatia da população pelos servidores parece estar próxima dos políticos, e sua presunção de culpa, e da imprensa, e sua credibilidade de zap-zap, há ainda o argumento de que o morador de Gravataí que usa o SUS está colaborando para pagar plano de saúde com médico, dentista, cirurgias, internação e exames não só para os funcionários públicos ativos e inativos, mas por vezes para conjugues, filhos, pais, mães e irmãos.
Uma greve será um teste para a unidade do funcionalismo e, principalmente, para a direção que há décadas se reveza no comando do sindicato e, sem o costume de dar más notícias à categoria, enfrenta o risco de conviver com a perda de uma de suas maiores conquistas: um plano de saúde barato e com a qualidade dos melhores do mercado.
Conseguirão os professores convencer familiares e alunos de que é justo parar aulas por uma semana, um mês ou dois, e recuperar no verão, para pressionar o governo a ajudar a pagar pelo plano de saúde do funcionalismo público e seus familiares?
Não me cabe torcer ou secar; e sim informar e analisar, dentro das circunstâncias de nosso tempo.
Infelizmente, é a realidade. Não é fake news dizer que o plano de saúde dos servidores está ameaçado.
Certeza é que, nessa disputa, sindicato e governo precisam chamar para a festa aquele que vai pagar a conta: o povo.
Que comecem os jogos!