coluna do silvestre

O presépio da minha mãe

Da série me corta os tubos! Me aguentem ou…

 

Quando eu era miúdo e ainda morava no interior com meus pais – sim, eu me criei no interior! – recordo pouca coisa das comemorações natalinas. Mas sei que eram muito diferentes das festas de hoje em que há muito interesse comercial e pouco afeto familiar envolvido.

Atualmente, as lojas ficam apinhadas de consumidores nos dias que antecedem ao Natal. Gente comprando e comprando, algumas se endividando, simplesmente com a intenção de fazer bonito na festa da família ou marcar presença com um amigo, ou amiga, mais próximo.

Filhos não estão nem aí para os pais. Principalmente quando estes estão longe. E quando estão próximos, e poderiam ser abraçados e acarinhados e beijados com sofreguidão e com palavras como “te amo”, também não dão muita importância. Saem de casa. Vão para a esbórnia.

Sempre gostei do Natal, embora as dores que a data me causa. Também gosto da virada do ano, da Páscoa, dias dos pais, das crianças, aniversários. Sou, por natureza, meio festeiro. Ou bem festeiro, e gosto de companhias, de estar cercado por pessoas. De alegria, boa música, comida e bebida.

Não sei de quem herdei esse meu jeito meio tosco de ser. Sou tosco, sim, para muitas coisas, mas ao mesmo tempo sou muito emotivo. Os olhos marejam diante de cenas bonitas na televisão, de pensamentos que me remetem à infância, de quando ainda usava calças curtas e até gravata borboleta.

Hoje me peguei ainda mais saudoso quando vi a imagem de um presépio em um dos canais que estávamos assistindo em casa, por volta do meio dia. A cena me remeteu ao velho Cerro Branco, onde há muitos anos não vou e que foi onde cresci e dei os primeiros passos e vivi até os meus 12 anos.

Lembrei dos presépios que minha  mãe, a dona Zienir, que recém completou seus 85 anos, preparava sob frondosas cúpulas de pinheiros cuidadosamente selecionados, cortados e enterrados em latões de terra (para durar várias semanas!), sempre carinhosamente decorados como rezava a tradição natalina.

Tinha estrelas, bolas de tamanhos variados e cores diversas, anjos, muitos enfeites…

No alto da nossa árvore de Natal sempre tinha uma estrela cadente.

Ao pé da árvore natalina simbolizada pelo pinheiro… Ah, ao pé! Minha mãe caprichava!

Acho que ela deve ter em casa, ainda, as peças de porcelana ou gesso, não tenho certeza, que compunham o cenário do nascimento de Cristo. Eram, e devem ser, lindas peças. Meticulosamente produzidas e pintadas. Não sei de onde vieram e nem quem as fabricou.

Tinha José e Maria, pais de Jesus. Tinha o próprio Cristo, então recém nascido, deitado em uma manjedoura. Vaquinhas, cabras, ovelhas, até um burrinho se não me engano!… E os três reis magos, Melchior (que uns chamam de Belchior), Baltasar e Gaspar que, pelas escritas católicas, teriam ido adorar ao salvador levando-lhe presentes como ouro, incenso e mirra.

Minha mãe caprichava.

Decorava o entorno daquela lata grande onde estava cravado o pinheiro transformando papel e papelão em sobe e desce de ladeiras e de montanhas, mais ou menos como ainda é a topografia de Cerro Branco. Lembro que até lago ela produzia, transformando um pedaço de espelho em uma lâmina d’água.

Não faltava a barba de pau, que hoje poucos conhecem (Dia desses em visita ao interior de Encruzilhada do Sul até brinquei com barba de pau, transformando-a em uma peruca!)

Era época em que meus padrinhos Arnoldo e Flora Wacholtz nos visitavam. Não raramente jantavam com a gente uma sempre bem feita galinha com arroz, entre outras iguarias. Principalmente massa. Massa feita em casa. E como gostavam d’uma massa caseira aqueles dois alemães!

O tempo deve ter apagado da minha memória, mas não recordo de grandes presentes. Parece que certa vez ganhei um ônibus, de plástico, vermelho. Que me desculpe a dona Zienir, mas não lembro de muita coisa mesmo quando se trata de presentes. Até porque o sentido real da data era outro, não como é hoje.

Mas eram tempos, tenho certeza disso, bem melhores. Não havia tanto mi-mi-mi, tanto politicamente correto, não se falava em preconceito racial, homofobia, de crença e posição social. Filhos eram educados pelos pais e respeitavam os pais, os professores, os amigos, os vizinhos.

Hoje…

Ah, hoje em dia…

Como os tempos mudaram. Que saudade das coisas como eram, onde havia inocência e principalmente o culto à casa, ao pai e à mãe.

E que saudade daquele velho presépio preparado com tanto carinho pela minha mãe, que ficava a um canto da sala por uns 30 dias, por aí. Mesmo que apenas umas poucas pessoas o vissem. Ele estava ali. Era uma homenagem ao Cristo aniversariante. Um sinal de respeito que se impunha e que era observado.

E o presépio só era desmontado no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, que é o dia em que o Jesus Cristo recém-nascido recebeu a vista dos Magos e os presentes que lhe levaram. Era um novo ciclo que se iniciava e que acabava quando o próximo presépio era montado, com os mesmos enfeites e com os mesmos personagens.

É…

O tempo passa, as coisas mudam e a gente – pelo menos eu – por cansado que vai ficando, esquece de alguns detalhes, mas festeja quando a memória permite recordar coisas como o presépio da dona Zienir.

Lá de Cerro Branco.

 

É por estas e por outras que sempre digo: para o mundo que eu quero descer.

Ah, aproveita e me corta os tubos, por favor!

 

 

 

 

 

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